Três dias antes da sua tradicional mensagem de Ano Novo, portanto no dia 29 de Dezembro, o Presidente da República fez uma comunicação ao país sobre uma questão que tem abalado a agenda política: a aprovação do Estatuto dos Açores (por ele promulgado, embora com discordâncias de fundo). Trata-se de um episódio, dramático e incontornável, de um processo que nos tem a judado a repensar a relação dos discursos políticos com os medias, em geral, e com o espaço televisivo, em particular — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 de Dezembro), com o título 'Ainda é possível fazer política'.
Há dias, um enigma inquietante atravessou o país: o Primeiro-Ministro tinha lido a sua mensagem de Natal... de pé! Curiosamente, não descobri ninguém empenhado em especular sobre o facto, porventura ainda mais preocupante, de o Presidente da República ter lido a sua comunicação sobre o Estatuto dos Açores... de pé!
A explicação deste paradoxo filosófico é simples. José Sócrates era todo ele “imagem”, sustentando um discurso meramente funcional, tentando não agravar as incertezas da sua governação e, claro, de cada um dos cidadãos portugueses. Cavaco Silva não dependia de nenhuma distracção “teatral”: surgiu a sustentar um discurso firme, coerente e inequívoco, isto é, genuinamente político.
Num país de discursos moles e clivagens ocultas, já era tempo de alguém fazer política. Podemos, nesta questão dos Açores ou em qualquer outra, concordar ou não com o Presidente. Mas isso não impede que reconheçamos que a sobriedade de imagem que ele tem cultivado, inclusive quando é deselegantemente assediado por muitos microfones, decorre de um salutar princípio: a pertinência do discurso político nunca deve ser secundarizada pela gestão da imagem (também fundamental, como é óbvio).
Na prática, isso tem gerado um curioso efeito de menorização do debate político. Assim, durante meses (desde a primeira intervenção de Cavaco Silva sobre o mesmo Estatuto), ouvimos comentadores de todos os quadrantes proclamar que os portugueses não tinham percebido nada do que o Presidente dissera. Por tradição, diz-se isso dos críticos de cinema, pobres diabos que gritam no deserto. Agora, deu-se um passo mais: os comentadores não nos informam apenas que o Presidente não se percebe; garantem-nos também que nós, eleitores, não estamos a perceber nada. É bom saber que alguém protege a nossa ignorância.
Há dias, um enigma inquietante atravessou o país: o Primeiro-Ministro tinha lido a sua mensagem de Natal... de pé! Curiosamente, não descobri ninguém empenhado em especular sobre o facto, porventura ainda mais preocupante, de o Presidente da República ter lido a sua comunicação sobre o Estatuto dos Açores... de pé!
A explicação deste paradoxo filosófico é simples. José Sócrates era todo ele “imagem”, sustentando um discurso meramente funcional, tentando não agravar as incertezas da sua governação e, claro, de cada um dos cidadãos portugueses. Cavaco Silva não dependia de nenhuma distracção “teatral”: surgiu a sustentar um discurso firme, coerente e inequívoco, isto é, genuinamente político.
Num país de discursos moles e clivagens ocultas, já era tempo de alguém fazer política. Podemos, nesta questão dos Açores ou em qualquer outra, concordar ou não com o Presidente. Mas isso não impede que reconheçamos que a sobriedade de imagem que ele tem cultivado, inclusive quando é deselegantemente assediado por muitos microfones, decorre de um salutar princípio: a pertinência do discurso político nunca deve ser secundarizada pela gestão da imagem (também fundamental, como é óbvio).
Na prática, isso tem gerado um curioso efeito de menorização do debate político. Assim, durante meses (desde a primeira intervenção de Cavaco Silva sobre o mesmo Estatuto), ouvimos comentadores de todos os quadrantes proclamar que os portugueses não tinham percebido nada do que o Presidente dissera. Por tradição, diz-se isso dos críticos de cinema, pobres diabos que gritam no deserto. Agora, deu-se um passo mais: os comentadores não nos informam apenas que o Presidente não se percebe; garantem-nos também que nós, eleitores, não estamos a perceber nada. É bom saber que alguém protege a nossa ignorância.