Chegou esta semana aos ecrãs nacionais a adaptação que Fernando Meirelles fez do Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. Blindess, no seu título original, segue a narrativa sugerida pelo romance, apresentando-nos um momento na vida de uma cidade que assiste ao que parece ser uma epidemia que, em dias, cega toda a população. Toda menos uma mulher (interpretada por uma sempre espantosa Julianne Moore), os olhos do espectador perante o cenário de degradação que se abaterá sobre a comunidade que, privada da visão, esquece códigos de conduta e mergulha num caos generalizado que revela o que se sugere como a força da pulsão de sobrevivência de cada um.
Estas premissas até são interessantes. Apesar de usar códigos (ou sugestões narrativas) que poderíamos entender como próximas da ficção científica, a história mostra uma secundarização da procura das causas da cegueira e aposta antes numa reflexão sobre as suas consequências. Alertadas pelo surto, as autoridades isolam os primeiros casos numas instalações há muito esquecidas. Aí, sem a presença de médicos e sob vigilância apenas à distância (do outro lado de um muro), estabelecem-se grupos, cada qual sob o comando de um “macho” dominador. Uma das camaratas, liderada por um empregado de bar de hotel que esquece a etiqueta e revela outras menos polidas qualidades, será o foco de conflito gota-de-água num isolamento que transforma num inferno a vida dos que lhe são estrangeiros. Em terra de cegos quem tem pistola parece ser rei. E o Rei da Camarata 3 (como se proclama a personagem criada em piloto automático por Gael Garcia Bernal) usa-a para controlar o abastecimento de comida, exigindo algo em troca. Primeiro jóias. Depois as mulheres...
O lançamento da narrativa revela o melhor do filme, sobretudo no plano da fotografia, através de brancos ofuscantes que sugerem ao espectador a sensação descrita pelos que vão sentindo os sintomas. É igualmente convincente o retrato de uma cidade entregue ao caos, vandalizada, sem veículos em movimento nem lixo recolhido, lançando a população numa campanha de sobrevivência sem regras. Minimal e mais repetitiva é toda a longa etapa vivida entre as paredes do isolamento, numa visão desencantada de potencialidades menos “socializáveis” do ser humano. Parábola interessante como literatura, mas que aqui, numa tentativa de transformar num certo realismo o que vem do plano da metáfora, acaba por engolir o protagonismo do que de mais o filme poderia revelar.