sexta-feira, novembro 28, 2008

"Madagáscar 2": rotina de marketing

Com a estreia de Madagascar 2, ressurge uma interrogação, ao mesmo tempo artística e comercial: será que a animação digital já está a gerar a sua própria retórica? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Novembro), com o título 'Elogio da tradição'.

Há um curioso (e desconcertante) preconceito face aos filmes de desenhos animados: porque são histórias a “fingir”, destinadas aos “miúdos”, nem sequer valeria a pena discutir as suas características... Dito de outro modo: desde que o “boneco” mexa, está tudo bem...
Importa reagir a semelhante ponto de vista, sobretudo face àquilo que parece estar a instalar-se no espaço específico da animação digital. Títulos como Madagáscar 2 são a prova muito clara de que os recursos das novas tecnologias estão a gerar uma rotina de produção em que a criatividade tende a ser substituída pelas efémeras euforias do marketing.
Não que Madagáscar 2 seja um filme “incompetente”. A questão é de outra natureza e torna-se sensível se evocarmos alguns dos grandes filmes de animação dos últimos vinte anos, incluindo O Rei Leão (1994) ou À Procura de Nemo (2003). Por um lado, perdeu-se o gosto por criar verdadeiras personagens: na maior parte dos casos, temos figurinhas que funcionam como elementos de uma banal stand up comedy que, em momentos escolhidos, vêm cumprir o seu número mais ou menos divertido. Por outro lado, os argumentos tendem a ser concebidos (?) como uma mera parada de sketches, um pouco à maneira de um show televisivo.
Daí a nostalgia. Faz-nos falta essa capacidade de inventar outros mundos que, no limite, nos devolvam o sabor da epopeia (veja-se ou reveja-se, justamente, O Rei Leão). Às vezes, até sentimos que o digital pode ser uma limitação: faz-nos falta a “imprecisão” dos traços desenhados pelas mãos humanas.