Foi recentemente lançado nas salas o filme português Arte de Roubar, realizado por Leonel Vieira. Em artigo publicado neste mesmo jornal (8 Nov.), tive oportunidade de expressar um ponto de vista negativo sobre Arte de Roubar, considerando-o um objecto de degenerescência de uma certa tradição popular que, actualmente, possui um padrão de referência no americano Quentin Tarantino e, em tempos a meu ver bastante mais interessantes, passou pelo trabalho do italiano Sergio Leone.

Conheço bem (há mais de 30 anos, para ser exacto) o modelo de difamação do trabalho crítico que quer fazer crer que quem sustenta uma perspectiva negativa sobre um filme português espera que ela seja “confirmada” pela performance comercial (também negativa) do mesmo filme. Sobre tal estupidez nunca houve muito a dizer, a não ser que escrever sobre cinema é um labor específico, de resultados certamente discutíveis, mas cuja pertinência argumentativa nada tem a ver com índices meramente económicos. Como se, num caso oposto, pudesse fazer sentido menorizar um filme como O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, por ter sido, na altura do seu lançamento, um desastre de bilheteira...

Tentar reduzir os muitos dramas do cinema português a uma espécie de causa/efeito entre índices de bilheteira e “legitimidade” para filmar é uma forma de chantagem. Na prática, apenas tem atrasado a análise (e a concretização) de soluções que possam garantir a máxima diversidade de propostas e estilos.
Claro que nenhuma cinematografia pode viver alheada da sua relação com os públicos (no plural, entenda-se, isto é, não esquecendo que os espectadores não são um “rebanho” de comportamentos iguais e repetitivos). Em todo o caso, pretender equacionar os muitos problemas que envolve a criação de uma estrutura de produção minimamente estável apenas através dos números abstractos das salas é empurrar o cinema para um infantilismo político (e de política cultural) que, em última análise, prejudica tudo e todos. A defesa do direito de filmar de um qualquer cineasta (por exemplo: Leonel Vieira) não se pode compadecer com tal infantilismo.