Esta é uma imagem de Censurado/Redacted, de Brian De Palma, um dos mais brilhantes filmes americanos sobre a guerra do Iraque, ou melhor, sobre as suas imagens — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 de Outubro), com o título 'Revendo memórias da guerra do Iraque'.
Para o melhor ou para o pior, a gestão das imagens dos candidatos tem sido um elemento fulcral da campanha presidencial nos EUA (como em todos os países democráticos, acrescente-se). Dos spots publicitários de Obama e McCain ao piscar de olho de Sarah Palin, tudo adquire uma importância enorme nesse bailado mediático entre aquilo que nos é dado ver e o que percebemos ou julgamos perceber. Está a chegar, aliás, o prodigioso filme W., de Oliver Stone, sobre o ainda Presidente Bush (estreia dia 23), precisamente uma visão acutilante da desproporção entre a vida interior da política e a sua percepção exterior.
Um dos filmes americanos mais subtis na abordagem desta peculiar existência contempo-rânea das imagens chama-se Censurado e já está disponível no mercado do DVD, depois de um lançamento ultradiscreto, nas salas, em finais de 2007. Escrito e dirigido por Brian De Palma, o filme retoma uma das sua obsessões temáticas: a distância, ou melhor, a diferença entre os efeitos que as imagens podem desencadear e as condições originais da sua própria produção. Essa é, afinal, uma questão que passa por títulos tão diversos como Obsessão (1976) Blow Out (1981) e Os Olhos da Serpente (1998). Isto sem esquecermos, claro, que De Palma assinou também esse verdadeiro símbolo das festivas ambivalências do espectáculo que é Missão Impossível (1996).
Censurado parte de um episódio da guerra do Iraque, protagonizado por um grupo de soldados americanos que, na zona de Samarra, violaram e mataram uma jovem, depois massacrando toda a família. O filme é menos sobre a lógica da guerra enquanto facto político e mais sobre a sua percepção interior. Mais concretamente, De Palma organiza o seu filme como se fosse uma remontagem (é esse, aliás, o sentido do título original Redacted) de imagens registadas, em grande parte, pelos próprios soldados ou provenientes de noticiários televisivos sobre aquela ocorrência específica.
Trata-se, antes de tudo o mais, de reflectir sobre o modo como muitas existências contem-porâneas, por exemplo através das câmaras de video ou dos blogs, se desenvolvem como um bizarro jogo de espelhos: dir-se-ia que não se procuram imagens para se mostrar como se vive, antes se vive (quase exclusivamente) para produzir imagens de experiências que... só existem através das imagens. Será que esta vertigem nos faz perder a própria noção de realidade?
À excepção de algumas fotografias da guerra, mostradas no final, Censurado não deixa de ser um elaboradíssimo filme de ficção, com imagens concebidas e registadas pelo próprio De Palma (que dá conta, aqui, de um ponto de vista profundamente desencantado em relação à lógica e aos efeitos da intervenção militar americana no Iraque). Seja como for, nada disso impede que o filme vá gerando um perturbante efeito documental. Dir-se-ia que assistimos ao registo “amador” de uma experiência cujo sentido, a pouco e pouco, vai escapando aos próprios protagonistas. E talvez seja esse, afinal, o significado mais extremo do trabalho de De Palma: o de uma perda de conhecimento decorrente do excesso de imagens que recebemos ou fabricamos.
Para o melhor ou para o pior, a gestão das imagens dos candidatos tem sido um elemento fulcral da campanha presidencial nos EUA (como em todos os países democráticos, acrescente-se). Dos spots publicitários de Obama e McCain ao piscar de olho de Sarah Palin, tudo adquire uma importância enorme nesse bailado mediático entre aquilo que nos é dado ver e o que percebemos ou julgamos perceber. Está a chegar, aliás, o prodigioso filme W., de Oliver Stone, sobre o ainda Presidente Bush (estreia dia 23), precisamente uma visão acutilante da desproporção entre a vida interior da política e a sua percepção exterior.
Um dos filmes americanos mais subtis na abordagem desta peculiar existência contempo-rânea das imagens chama-se Censurado e já está disponível no mercado do DVD, depois de um lançamento ultradiscreto, nas salas, em finais de 2007. Escrito e dirigido por Brian De Palma, o filme retoma uma das sua obsessões temáticas: a distância, ou melhor, a diferença entre os efeitos que as imagens podem desencadear e as condições originais da sua própria produção. Essa é, afinal, uma questão que passa por títulos tão diversos como Obsessão (1976) Blow Out (1981) e Os Olhos da Serpente (1998). Isto sem esquecermos, claro, que De Palma assinou também esse verdadeiro símbolo das festivas ambivalências do espectáculo que é Missão Impossível (1996).
Censurado parte de um episódio da guerra do Iraque, protagonizado por um grupo de soldados americanos que, na zona de Samarra, violaram e mataram uma jovem, depois massacrando toda a família. O filme é menos sobre a lógica da guerra enquanto facto político e mais sobre a sua percepção interior. Mais concretamente, De Palma organiza o seu filme como se fosse uma remontagem (é esse, aliás, o sentido do título original Redacted) de imagens registadas, em grande parte, pelos próprios soldados ou provenientes de noticiários televisivos sobre aquela ocorrência específica.
Trata-se, antes de tudo o mais, de reflectir sobre o modo como muitas existências contem-porâneas, por exemplo através das câmaras de video ou dos blogs, se desenvolvem como um bizarro jogo de espelhos: dir-se-ia que não se procuram imagens para se mostrar como se vive, antes se vive (quase exclusivamente) para produzir imagens de experiências que... só existem através das imagens. Será que esta vertigem nos faz perder a própria noção de realidade?
À excepção de algumas fotografias da guerra, mostradas no final, Censurado não deixa de ser um elaboradíssimo filme de ficção, com imagens concebidas e registadas pelo próprio De Palma (que dá conta, aqui, de um ponto de vista profundamente desencantado em relação à lógica e aos efeitos da intervenção militar americana no Iraque). Seja como for, nada disso impede que o filme vá gerando um perturbante efeito documental. Dir-se-ia que assistimos ao registo “amador” de uma experiência cujo sentido, a pouco e pouco, vai escapando aos próprios protagonistas. E talvez seja esse, afinal, o significado mais extremo do trabalho de De Palma: o de uma perda de conhecimento decorrente do excesso de imagens que recebemos ou fabricamos.