quinta-feira, outubro 09, 2008

McCain e "aquele ali"... aliás, Obama

Na idade da televisão global, é perigoso proferir palavras demasiado mecânicas e que, por isso mesmo, se transformem em matéria de arremesso. Eis o que John McCain está a aprender, tardiamente e à sua própria custa. No segundo debate com Barack Obama, McCain teve a infeliz ideia de se referir ao seu adversário político como "that one" (aquele ali). Foi assim.



Pouco importa a "intenção" ou a "emoção" com que o disse. De facto, as palavras têm uma vida própria e, além do desrespeito inerente à expressão, chamar assim um cidadão afro-americano candidato à Presidência dos EUA é, no mínimo, acordar os fantasmas de muitas e dolorosas clivagens históricas — como muito bem recorda The New York Times.
Mas os EUA são também o país da permanente destrui-ção/reconversão/reinvenção das linguagens. Mesmo Baudrillard, na sua descida aos infernos semiológicos dos States, olhava para a teatralidade da época de Reagan e concluía que, para além de todos os apocalipses, duas coisas persistiam: "o espaço e o génio da ficção".
Porventura a redenção mitológica será excessiva para falarmos do pós-that one que se está a viver. Mas convém, ao menos, não alienarmos a réstea de humor com que ainda conseguimos acreditar que o mundo pode fazer sentido. E referir que rapidamente surgiu um negócio de t-shirts, celebrando Obama como o desejado That One — podemos fazer as nossas compras em "That One" 08 [símbolo a abrir este post], na certeza de que uma t-shirt sarcástica é menos ameaçadora que o desespero de um qualquer McCain, incapaz de sustentar o seu combate no espaço nobre das ideias.
E porque as linguagens são também espectaculares viroses, McCain terá ficado a saber que em tempos de rap e hip-hop, that one é uma saborosa preciosidade rítmica — eis o resultado.