quinta-feira, outubro 30, 2008

Marte ataca!

Foi há precisamente 70 anos. A 30 de Outubro de 1938, um programa de teatro radiofónico apresentava uma dramatização adaptada do romance A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, publicado 40 anos antes. Comandada por Orson Welles, uma equipa de actores e técnicos de som transformavam o texto de H.G. Wells na forma de uma emissão de rádio, com simulações de flashes noticiosos e reportagens em directo. A história, que no livro é relatada na Inglaterra rural de finais do século XIX, era transposta para os Estados Unidos, com primeiro incidente algures em New Jersey, e no tempo presente (na verdade, no início da emissão era revelado que se tratava de uma ficção, com acção projectada no ano seguinte, ou sejam 1939). A emissão começou com uma apresentação do programa e uma contextualização da história. A ficção entrava então em cena na forma de uma emissão de rádio com um boletim meteorológico e, logo depois, música em directo de Nova Iorque. Um primeiro noticiário interrompe a emissão para relatar explosões verificadas na superfície de Marte. E, pouco depois, supostamente “em directo” de um observatório, um astrónomo (na verdade Orson Welles) explica o que está observado e tranquiliza os ouvintes, sublinhando que não crê existir vida inteligente em Marte... Todavia, minutos depois, nova interrupção dá conta do que se julga ser a queda de um meteorito numa pequena cidade de New Jersey. O repórter, em directo, descreve a cena e a chegada de populares. Mas acaba por dar a notícia, em primeira mão, do que, afinal, se revela como um ataque marciano. A invasão começou... Aqui fica esse segmento do programa:



Esta adaptação radiofónica de A Guerra dos Mundos escutava-se no Mercury Theatre on The Air, um programa de rádio de, habitualmente, pouca audiência. E, portanto, sem pausas para publicidade. Os espectadores que, eventualmente, tenham perdido os minutos iniciais da emissão, tomaram a ficção por realidade. Sobretudo graças ao modelo dramático adoptado, relatando a história como se de uma emissão de rádio se tratasse. E estalou o pânico. Chamadas telefónicas chegaram à CBS e às autoridades. Mas estávamos em 1938. E em pequenas comunidades rurais o telefone estava longe de ser uma presença em todas as casas. O aparelho de rádio era, para muitos, a janela para a informação, para o mundo. A ansiedade instalou-se rapidamente. Houve quem pegasse na família e fugisse de casa. Houve relatos da chegada de populares aos locais da suposta invasão. A confusão foi tal que, com a polícia a intervir nesses locais, o que era fantasia ainda mais parecia ser real... Conta-se que, nessa noite, alguém terá disparado contra um depósito de água, julgando ser um tripod marciano...
No final da emissão, de cerca de 60 minutos, Welles voltou a recordar que se tratava de uma encenação. Mas o terror já morava entre os ouvintes. Os jornais, no dia seguinte, davam conta do sucedido. E, em tempo de temor perante a possível “ameaça” da concorrência da rádio, os jornais aproveitavam para mostrar como, afinal, a imprensa escrita era um meio mais... fiável.

Para escutar a totalidade da emissão de Orson Welles pode consultar o arquivo do Mercury Theatre aqui.

A Guerra dos Mundos é um romance de 1898 de H.G. Wells, o quarto dos seus “romances científicos”, sucedendo-se a A Maquina do Tempo, A Ilha do Dr Moreau e O Homem Invisível editados nos anos anteriores. Algo inspirado pela literatura de guerra do seu tempo, o livro serve um relato, feito na alvorada do século XX, recordando eventos em finais do século XIX, quando uma invasão marciana se abateu sobre a Terra. Uma campanha violenta, que procurava no homem alimento, através de transfusões directas do sangue das gentes capturadas pelos invasores. A “guerra”, contra a qual a tecnologia humana nada conseguiu, acabou vitoriosa para os invadidos pela inesperada “ajuda” de bactérias que, inofensivas para os habitantes da Terra, se revelaram afinal letais para os marcianos.

O livro de H.G. Wells teve já várias adaptações ao cinema, à televisão, à BD, aos jogos de computador, à música (num disco “conceptual” de Jeff Wayne) e a outros meios. Fez história a transposição da história para a Califórnia dos anos 50 na versão cinematográfica de Byron Haskin realizou em 1953. De certa forma, o filme aceitava a sugestão da emissão de Orson Welles e sublinhava o medo colocando a acção na Califórnia.

A mais recente adaptação de A Guerra dos Mundos ao cinema data de 2005, com realização de Steven Speilberg. A acção é desta vez desviada para a costa leste norte-americana. O filme segue na essência as linhas mestras da histórias, mas adapta-as a uma ideia de verosimilhança para a alvorada do século XXI. Reinventa os modelos de chegada dos invasores e usa efeitos visuais para sublinhar a sua ferocidade tecnológica.