Esta foto está no site da Federação Portuguesa de Futebol para ilustrar uma notícia intitulada 'Apoio importante'. Ou seja, como se escreve na legenda: "Laurentino Dias [à direita, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto] e Gilberto Madaíl [à esquerda, presidente da FPF] estão em sintonia".
Sintonia para quê? Para a concretização de uma candidatura ibérica à organização do Mundial de Futebol de 2018. O projecto de tal candidatura é já há algum tempo defendido por Gilberto Madaíl, tendo sido recentemente "reforçado" por palavras de incentivo de Joseph Blatter, presidente da FIFA. Como é óbvio, Laurentino Dias não oficializou nenhum apoio, mas declarou: “É bom sinal, mas essas questões são complexas. Há que ir passo a passo e cada coisa no seu tempo. Nesta altura é a decisão de haver ou não uma candidatura conjunta, é a preparação do dossier entre as federações de Portugal e de Espanha, é a decisão das federações do que é preciso tomar. Em seguida, os governos não deixarão ficar mal as suas federações, com certeza”.
Que significa "não deixar ficar mal as suas federações"? Significa admitir a hipótese de voltar a envolver a economia do país num empreendimento cuja pertinência nacional não se vislumbra. Claro que se podem escrever infinitos relatórios provando que semelhante iniciativa trará muitos rendimentos (a algumas empresas, em particular de construção civil, publicidade e telemóveis). E serão, por certo, relatórios muito objectivos e, no plano técnico, indesmentíveis. Mas será que já ninguém faz política neste país?
Que significa "não deixar ficar mal as suas federações"? Significa admitir a hipótese de voltar a envolver a economia do país num empreendimento cuja pertinência nacional não se vislumbra. Claro que se podem escrever infinitos relatórios provando que semelhante iniciativa trará muitos rendimentos (a algumas empresas, em particular de construção civil, publicidade e telemóveis). E serão, por certo, relatórios muito objectivos e, no plano técnico, indesmentíveis. Mas será que já ninguém faz política neste país?
Será que, a julgar pelo discurso de Laurentino Dias, temos um Governo incapaz de lembrar que, num país tão fragilizado e com tantas carências básicas (da educação à saúde), um Mundial de Futebol constitui um luxo dis-pensável?
Será que já nem temos uma oposição capaz de abandonar o comodismo da contestação panfletária e mostrar, por a+b, que há outras e mais importantes prioridades?
Será que ninguém arrisca a mais rudimentar sensatez, lembrando que uma coisa é gostarmos de futebol e vibrarmos com a nossa selecção, outra coisa bem diferente é comprometer o desen-volvimento de áreas vitais da nossa existência, preferindo organizar um... Mundial?
Importa dizê-lo sem equívoco: neste momento, Gilberto Madaíl é uma figura central do debate cultural. E não há nenhum ironia, muito menos qualquer intenção provocatória, nesta afir-mação. Aliás, o modo como assume tal pro-tagonismo vai ao ponto de desvalorizar as dúvidas que, há vários meses, o Presidente da República já manifestou em relação ao seu projecto — veja-se, hoje no Diário de Notícias, a sua defesa da "candidatura ibérica".
A cultura não se esgota no centenário de Oliveira ou no novo romance de Saramago (embora também passe por aí). A cultura é, intrinsecamente, genuinamente, a dinâmica plural dos valores colectivos e das vivências individuais. Gilbert Madaíl quer marcar indelevelmente aqueles valores e estas vivências — o mínimo que se lhe exige é que esteja à altura de sustentar o gravíssimo debate nacional que, porventura sem dar por isso, acaba de abrir.