De Platoon a W., passando por Nascido a 4 de Julho [foto], Oliver Stone (MySpace) é um cineasta da América, ou melhor, do obsessivo questionamento da identidade americana — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Outubro), com o título 'Através da América de Oliver Stone'.
Se é verdade que os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 constituem uma viragem decisiva na história da América (e de todo o planeta), então não haverá muitos cineastas que, como Oliver Stone, tenham sabido reflectir sobre o capítulo que aí se abriu. Desde logo, como é óbvio, porque no seu World Trade Center (2006) Stone filmou as memórias ainda muito próximas desse dia trágico vivido em Nova Iorque. Mas também porque com o novo W., dedicado a George W. Bush, o cineasta prossegue uma trajectória de obsessivo sentido analítico: trata-se de reflectir as convulsões do mundo contemporâneo, perguntando o que significa viver nesse mundo e ser americano.
As raízes temáticas e críticas do cinema de Stone estão na sua experiência como soldado no Vietname. Aliás, recentemente, a propósito de uma eventual cumplicidade geracional com o próprio Presidente Bush (ambos nasceram em 1946), Stone lembrava que as grandes diferenças começavam em meados da década de 60: ele foi para a guerra e Bush não. Ao filmar Platoon (1986) e Nascido a 4 de Julho (1989), Stone não se limitou a inserir as memórias do Vietname no padrão tradicional do “filme de guerra”. Bem pelo contrário: o seu trabalho veio mostrar que tal padrão, no essencial ligado à abordagem da Segunda Guerra Mundial, seria sempre insuficiente para dar conta de um conflito que deixou uma ferida muito funda na identidade americana.
No cinema de Stone, a visão da América nasce de uma dinâmica essencial: por um lado, descobrimos os mecanismos colectivos de funcionamento e os valores que os sustentam ou deles decorrem; por outro lado, sentimos que os dramas particular de cada destino individual podem funcionar como espelho perverso das próprias vivências nacionais.
Tudo isso se torna especialmente transparente nos filmes sobre presidentes. O primeiro, JFK (1991), não é, em rigor, um retrato de John Kennedy, uma vez que procura, acima de tudo, revisitar o trabalho do procurador Jim Garrison (Kevin Costner), tentando demonstrar a existência de uma vasta conspiração secreta para matar o Presidente. O segundo, Nixon (1995), encena o principal protagonista do escândalo Watergate para penetrar nos seus medos e fantasmas mais íntimos. Em ambos os casos, a narrativa cinematográfica serve a Stone para repor a questão da identidade americana a partir de uma perplexidade central: afinal, o que é a verdade, quando a aplicamos e quando a dispensamos?
Tudo isto adquire uma nova e impressionante dimensão em W., com Josh Brolin a interpretar aquele que, para todos os efeitos, ainda é o Presidente dos EUA. Essa coabitação entre o Presidente e a sua representação cinematográfica é mesmo um dos efeitos mais desconcertantes do filme. Como se Stone nos dissesse que a abundância de imagens em que vivemos pode ser limitativa do próprio conhecimento. Poderá dizer-se que, em termos meramente políticos, Stone não se identifica com Bush. É verdade que não. O certo é que foi capaz de fazer um filme que devolve a Bush o simples direito à complexidade da sua/nossa história. Nessa medida, W., sendo um filme genuinamente político, é também um reencontro com a pulsão teatral da tragédia.
Se é verdade que os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 constituem uma viragem decisiva na história da América (e de todo o planeta), então não haverá muitos cineastas que, como Oliver Stone, tenham sabido reflectir sobre o capítulo que aí se abriu. Desde logo, como é óbvio, porque no seu World Trade Center (2006) Stone filmou as memórias ainda muito próximas desse dia trágico vivido em Nova Iorque. Mas também porque com o novo W., dedicado a George W. Bush, o cineasta prossegue uma trajectória de obsessivo sentido analítico: trata-se de reflectir as convulsões do mundo contemporâneo, perguntando o que significa viver nesse mundo e ser americano.
As raízes temáticas e críticas do cinema de Stone estão na sua experiência como soldado no Vietname. Aliás, recentemente, a propósito de uma eventual cumplicidade geracional com o próprio Presidente Bush (ambos nasceram em 1946), Stone lembrava que as grandes diferenças começavam em meados da década de 60: ele foi para a guerra e Bush não. Ao filmar Platoon (1986) e Nascido a 4 de Julho (1989), Stone não se limitou a inserir as memórias do Vietname no padrão tradicional do “filme de guerra”. Bem pelo contrário: o seu trabalho veio mostrar que tal padrão, no essencial ligado à abordagem da Segunda Guerra Mundial, seria sempre insuficiente para dar conta de um conflito que deixou uma ferida muito funda na identidade americana.
No cinema de Stone, a visão da América nasce de uma dinâmica essencial: por um lado, descobrimos os mecanismos colectivos de funcionamento e os valores que os sustentam ou deles decorrem; por outro lado, sentimos que os dramas particular de cada destino individual podem funcionar como espelho perverso das próprias vivências nacionais.
Tudo isso se torna especialmente transparente nos filmes sobre presidentes. O primeiro, JFK (1991), não é, em rigor, um retrato de John Kennedy, uma vez que procura, acima de tudo, revisitar o trabalho do procurador Jim Garrison (Kevin Costner), tentando demonstrar a existência de uma vasta conspiração secreta para matar o Presidente. O segundo, Nixon (1995), encena o principal protagonista do escândalo Watergate para penetrar nos seus medos e fantasmas mais íntimos. Em ambos os casos, a narrativa cinematográfica serve a Stone para repor a questão da identidade americana a partir de uma perplexidade central: afinal, o que é a verdade, quando a aplicamos e quando a dispensamos?
Tudo isto adquire uma nova e impressionante dimensão em W., com Josh Brolin a interpretar aquele que, para todos os efeitos, ainda é o Presidente dos EUA. Essa coabitação entre o Presidente e a sua representação cinematográfica é mesmo um dos efeitos mais desconcertantes do filme. Como se Stone nos dissesse que a abundância de imagens em que vivemos pode ser limitativa do próprio conhecimento. Poderá dizer-se que, em termos meramente políticos, Stone não se identifica com Bush. É verdade que não. O certo é que foi capaz de fazer um filme que devolve a Bush o simples direito à complexidade da sua/nossa história. Nessa medida, W., sendo um filme genuinamente político, é também um reencontro com a pulsão teatral da tragédia.