É o filme que ganhou o Oscar de melhor canção de 2007: sem ter passado pelas salas, Once/No Mesmo Tom surgiu em DVD — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 de Agosto), com o título 'História exemplar de um pequeno grande filme'.
É um caso desconcertante, embora, infelizmente, não raro no mercado português: um dos filmes envolvidos nos últimos Oscars de Hollywood (24 de Fevereiro) saíu directamente em DVD. Mais concretamente, No Mesmo Tom (título original: Once), produção irlandesa distinguida com a estatueta de melhor canção, passou a estar disponível em DVD sem nunca ter passado pelas salas.
Uma crença enraizada nos valores mais clássicos do cinema obriga-nos a reagir a situações deste género, lembrando que a sala escura continua a ser um lugar de eleição para descobrir a verdade estética (e técnica) de um qualquer objecto filmado. Ao mesmo tempo, um pragmatismo muito básico leva-nos a reconhecer que o estreitamento da oferta nas salas pode ser (e tem sido) compensado pelo espaço do DVD, até agora em permanente crescimento.
No Mesmo Tom é um produto muito directo da nova idade digital do cinema. De facto, estamos perante um filme de surpreendente minimalismo. John Carney, argumentista e realizador, desafiou os seus protagonistas, Glen Hansard e Markéta Irglová, para um trabalho que se situa algures entre a nostalgia melodramática e a respiração própria de um registo documental. Dito de outro modo: esta é a história de dois jovens, ele irlandês (tal como o actor), ela de origem checa (tal como a actriz), cujos destinos se cruzam em Dublin, construindo uma relação de intimidade que passa, de modo decisivo, pelas canções que vão compondo... Para que a história rime com a sua própria interpretação, Hansard e Irglová são também os autores de quase todas as canções do filme, incluindo Falling Slowly, a vencedora do Oscar (a banda sonora também já existe no mercado português).
Tudo isto confere ao filme uma ambiência inesperada, de insólito cruzamento da elaboração dramática com a espontaneidade física, levando-nos a supor que John Carney não será alheio aos ecos da grande tradição realista do cinema britânico. Além do mais, ele é alguém que viveu a experiência directa da música, no período 1990-93, como baixista da banda irlandesa The Frames [à qual pertence Hansard].
Na prática, estamos a falar de um filme que se fez por 100 mil euros, valor irrisório para qualquer país europeu (mesmo de pequeníssima produção, como Portugal). E importa sublinhar este número. Não porque se trate de defender um cine-ma “miserabilista”, por vezes sustentado por um insuportável discurso de “queixas” e pedidos de equívoca “tolerância”. Nem podemos esquecer que a equipa de John Carney, construída através de muitas ligações de amizade, ajudou a construir o projecto a partir de uma drástica contenção de despesas. Trata-se, isso sim, de reconhecer que o desenvolvimento dos meios digitais (tanto na imagem como no som) vai criando condições para que se consolidem pequenos, mas muito enérgicos, projectos como No Mesmo Tom.
Os filmes não têm que ser todos assim. Lawrence da Arábia não deixa de ser uma obra-prima por ter custado milhões... Acontece que, em contextos com maiores limitações financeiras, a criação de condições legislativas e económicas para o desenvolvimento dos “pequenos filmes” pode ser uma via importantíssima para favorecer a diversificação artística.
É um caso desconcertante, embora, infelizmente, não raro no mercado português: um dos filmes envolvidos nos últimos Oscars de Hollywood (24 de Fevereiro) saíu directamente em DVD. Mais concretamente, No Mesmo Tom (título original: Once), produção irlandesa distinguida com a estatueta de melhor canção, passou a estar disponível em DVD sem nunca ter passado pelas salas.
Uma crença enraizada nos valores mais clássicos do cinema obriga-nos a reagir a situações deste género, lembrando que a sala escura continua a ser um lugar de eleição para descobrir a verdade estética (e técnica) de um qualquer objecto filmado. Ao mesmo tempo, um pragmatismo muito básico leva-nos a reconhecer que o estreitamento da oferta nas salas pode ser (e tem sido) compensado pelo espaço do DVD, até agora em permanente crescimento.
No Mesmo Tom é um produto muito directo da nova idade digital do cinema. De facto, estamos perante um filme de surpreendente minimalismo. John Carney, argumentista e realizador, desafiou os seus protagonistas, Glen Hansard e Markéta Irglová, para um trabalho que se situa algures entre a nostalgia melodramática e a respiração própria de um registo documental. Dito de outro modo: esta é a história de dois jovens, ele irlandês (tal como o actor), ela de origem checa (tal como a actriz), cujos destinos se cruzam em Dublin, construindo uma relação de intimidade que passa, de modo decisivo, pelas canções que vão compondo... Para que a história rime com a sua própria interpretação, Hansard e Irglová são também os autores de quase todas as canções do filme, incluindo Falling Slowly, a vencedora do Oscar (a banda sonora também já existe no mercado português).
Tudo isto confere ao filme uma ambiência inesperada, de insólito cruzamento da elaboração dramática com a espontaneidade física, levando-nos a supor que John Carney não será alheio aos ecos da grande tradição realista do cinema britânico. Além do mais, ele é alguém que viveu a experiência directa da música, no período 1990-93, como baixista da banda irlandesa The Frames [à qual pertence Hansard].
Na prática, estamos a falar de um filme que se fez por 100 mil euros, valor irrisório para qualquer país europeu (mesmo de pequeníssima produção, como Portugal). E importa sublinhar este número. Não porque se trate de defender um cine-ma “miserabilista”, por vezes sustentado por um insuportável discurso de “queixas” e pedidos de equívoca “tolerância”. Nem podemos esquecer que a equipa de John Carney, construída através de muitas ligações de amizade, ajudou a construir o projecto a partir de uma drástica contenção de despesas. Trata-se, isso sim, de reconhecer que o desenvolvimento dos meios digitais (tanto na imagem como no som) vai criando condições para que se consolidem pequenos, mas muito enérgicos, projectos como No Mesmo Tom.
Os filmes não têm que ser todos assim. Lawrence da Arábia não deixa de ser uma obra-prima por ter custado milhões... Acontece que, em contextos com maiores limitações financeiras, a criação de condições legislativas e económicas para o desenvolvimento dos “pequenos filmes” pode ser uma via importantíssima para favorecer a diversificação artística.