Há um velho estilo insultuoso de lidar com a crítica de televisão que diz, literalmente, que os críticos queriam era que só se passasse "bailado e ópera"... Porquê insultuoso? Porque para além de nunca ninguém ter escrito tal disparate, insulta-se o próprio conceito de crítica — ou seja, a vontade de pensar o que acontece à nossa volta (o pensamento, como é óbvio, pode ser desinteressante, mesmo medíocre, mas essa vontade é eminentemente respeitável em qualquer cidadão, crítico ou não).
Nem que seja por defesa irónica, apetece dizer que chegámos a um ponto em que as televisões programam futebol e... futebol. De facto, a avalancha futebolística a que estamos a assistir favorece o triunfo de uma cultura do esquecimento. Esquecimento de quê? De tudo o que não goza da mesma evidência, desde as coisas mais óbvias (o cinema) às mais remotas (os torneios de bilhar às três tabelas, o ensino do violino ou os livros de Slavoj Zizek).
... Mas eu até gosto de futebol — diz-se, normalmente, nestas ocasiões. Mas não é isso que está em causa (mesmo gostando eu, muito, de futebol). O que está em causa é o afunilamento da nossa cultura audiovisual. Cultura? Sim, claro. Sendo a cultura a vida dos valores, não há nada mais cultural do que a televisão e as suas escolhas. Hoje em dia, o mais forte poder cultural não está nos ministérios nem nas instituições ditas culturais — está nas televisões. E programar é um acto cultural, por excelência.