sábado, agosto 09, 2008

Soljenitsine... quem?

Neste Verão de tantas festas tão felizes... o tratamento da morte de Alexander Soljenitsine pelas televisões foi, no mínimo, discreto — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Agosto).

Diz-se que, televisivamente, o período de férias é propício a temas ligeiros e “refrescantes”. Será, sobretudo, um tempo que apela a atitudes mais descontraídas e descomplexadas... Por que não? Aliás, em nome dessa democrática ligeireza, permito-me reivindicar para o cronista a possibilidade (e, já agora, a legitimidade) de ceder à tentação de evocar apenas algumas impressões dispersas. Não serão exemplarmente veraneantes, mas tentam compensar a sua falta de rigor estatístico com a mais humilde boa vontade no sentido de compreender o mundo à nossa volta.
A questão é esta: porque é que cada vez que se começa a falar em televisão da “boa disposição” e do “divertimento”, começo a ver passar no ecrã personagens hiper-sorridentes a garantirem-nos que estão avassaladoramente felizes só porque têm um copo de whisky na mão e estão num ambiente em quase não conseguimos ouvir o que dizem... Será que eles ouvem o que estão a dizer?
Não vi ninguém a mostrar-se feliz por estar a ler um livro ou a escutar Mozart... Mas também, reconheço, não há maneira científica de provar que tais actividades possam ser mais empolgantes do que assistir a esse prodígio muito estival que são alguns pobres touros a serem espetados para gáudio das plateias (é assim que se diz, não é?).
No meio disto tudo, por estes dias de tão abençoado Verão, morreu um senhor chamado Alexander Soljenitsine, por mero acaso Prémio Nobel da Literatura e um dos seres humanos do século XX que teve a força, o talento e o génio para construir uma obra contra as atrocidades do comunismo soviético. Eu sei que as televisões deram a notícia, mas foram de tal modo contidas e pudicas na forma de a dar que, a certa altura, me pareceu que “Soljenitsine” podia ser o nome de algum banhista apanhado por uma corrente mais forte... Ou um jogador de futebol a elogiar o “mister” e a proclamar a justiça do resultado... Depois, percebi que não, que era só a má vontade do meu olhar. Mais ainda: reconheci que não precisamos de Soljenitsine nenhum para sermos felizes. Há quem não precise, pelo menos. Eu ainda estou a aprender, mas prometo empenhar-me cada vez mais.