Não se é “rainha da pop” por acaso. E Madonna cedo mostrou saber que a arte da música popular reside na capacidade de encontrar colaboradores certos para os momentos exactos. Criando assim parcerias que, contra normas criadas noutras áreas de trabalho, são realidades de curto prazo. Porque, na música, em equipa que ganha, mexe-se. Sob pena de se acabar a repetir a mesma ideia. Madonna raramente repetiu equipas. E quando o fez foi por excepção.
Madonna nasce musicalmente da cena de dança, de vivência eminentemente underground, na Nova Iorque de inícios de 80. Não admira que os primeiros singles tenham nascido da colaboração com um DJ (Mark Kamins). E que o álbum de estreia, Madonna (1983), conte com presença determinante de um outro DJ e produtor ligado à música de dança – John ‘Jellybean’ Benitez. O mote estava lançado, colocando o azimute numa indentidade pop atenta à linha da frente dos acontecimentos na música de dança. E, sempre que possível, levantando pistas antes da multidão de outros artistas entrarem no mesmo comboio... Alguns dos maiores produtores e visionários passaram pelos discos de Madonna desde então. De figuras com grande visibilidade mediática como Nile Rodgers (em Like a Virgin) ou Timbaland (Hard Candy), a visionários já reconhecidos entre os domínios da música de dança como Sheep Petibone (Erotica), Nelee Hooper (Bedtime Stories), William Orbit (Ray Of Light), Mirwais (Music e American Life) e Stuart Price (Confessions On A Dance Floor), isto sem esquecer veteranos profissionais da indústria, como Patrick Leonard, que trabalhou em True Blue ou Like A Prayer.
Extensa e variada, a obra de Madonna somou sempre mais entusiasmo junto do público que na crítica. Sem escorregar no preconceito, que muitas vezes é como uma casca de banana sob os pés de muitos textos já publicados sobre os seus discos, devemos reconhecer na sua discografia alguns episódios de excepção. Das visões da noite da Big Apple no álbum de estreia ao espreitar de uma identidade pop em Like A Virgin (1984), da definitiva afirmação de personalidade de Like A Prayer (1989) ao piscar de olho às novas electrónicas em Music (2000), são vários os discos que mostram mais que singles de sucesso. Porém, a estabelecer uma “santíssima trindade” na discografia de Madonna, há que escolher os momentos “cinco estrelas” que já mereceu. Foram eles Erotica, de 1992, uma reflexão sobre a sexualidade que assimilava a nova cultura de dança que emergiu em finais dos anos 80. A que se seguiu o fulcral Ray Of Light, aprumo total de uma linguagem pop sob a presença das electrónicas de William Orbit num álbum de grandes canções que continua a ser o melhor disco de Madonna. E, claro, o não menos envolvente Confessions On A Dance Floor, reinvenção, no século XXI, das memórias de raiz que remetem a heranças da música de dança da Nova Iorque de 1980, onde tudo começou. E, certamente, a coisa não vai ficar por aqui...
PS. Texto publicado na revista NS, a 16 de Agosto, com o título "Não se é rainha por acaso"