quinta-feira, agosto 07, 2008

John Lennon: o último dia (4)

Em tempo de estreia nacional do filme Capítulo 27 – O Assassinato de John Lennon, concluímos hoje aapresentação de uma versão editada de um texto publicado em 2005 no DNmúsica que relata o último dia do ex-Beatle.

Os primeiros sinais de "vida" lucrativa depois da morte chegaram da morgue, quando um dos funcionários vendeu fotos de Lennon aos tablóides por dez mil dólares. O single Just Like Starting Over disparou para número um. E Double Fantasy multiplicou as vendas. Mas que futuro esperava o legado do Beatle mais mediatizado depois da separação do grupo?
20 anos antes, Lennon parecia bem distante de se tornar um dia o autor de algumas das mais populares canções do século, via Beatles e, depois, como cantautor de referência, com obra musical, poética e política tomada como bandeira por uma geração. Apesar de um talento natural cedo detectado, as primeiras marcas de personalidade adiante dos horizontes da mediania pop (de fasquia elevada, é certo) chegaram com a publicação de dois livros em 1964 e 65, respectivamente His Own Write e A Spaniard In The Works. Um conjunto de encontros marcaria importantes pontos de viragem que, em poucos anos, de si fizeram um dos mais notáveis músicos de sempre. Em 1964 Dylan despertou em si a descoberta da escrita na primeira pessoa, que se manifestou em canções como I Am A Loser ou You've Got To Hide Your Love Away. Um ano depois, no Benedict Canyon, na Califórnia, experimenta o LSD pela segunda vez, dessa feita com profundas consequências no seu comportamento, casamento e... liderança dos Beatles. Nowhere Man, Girl, In My Life... A música espelhava as mudanças. O encontro com Yoko, numa galeria londrina, desencadearia o maior tufão emocional e racional de sempre. Acentuava uma consciência política desperta pelas críticas à guerra no Vietname, abria portas a um mergulho pelas artes de vanguarda (do qual nasceriam os seus primeiros álbuns a solo) e toda uma agenda de eventos e atitudes que o transformariam em ícone político para uma geração em busca de líderes de uma nova mensagem na pop. O lost weekend, com May Peng, em 1973 e 74, muda azimutes e o reencontro com Yoko, em 75, reinventou-o definitivamente longe do rock'n'roll. Double Fantasy era evidente manifesto pop mainstream. As sessões seguintes, das quais nasceu Milk & Honey, também. Quem perde tempo com "ses" e tenta imaginar o que seria Lennon vivo, hoje, por vezes sonha com rotas musicais ainda ofuscadas pelo brilhantismo dos seus álbuns de 1970 e 71, os dois únicos momentos de génio de uma obra a solo irregular. Como McCartney, Harrison e Ringo (bom, evitemos a discografia de Ringo...), Lennon poderia ter seguido caminhos fechados numa identidade. E, eventualmente, aparecer aqui ou ali com um disco de excepção como Brainwashed (George Harrison, 2003) ou Chaos And Creation In The Backyard (McCartney, 2005). Ou talvez não...

Desde a sua morte, há 25 anos, Yoko Ono tem tentado manter John Lennon vivo. Conseguiu até levar o catálogo de Lennon ao iTunes, onde a música dos Beatles ainda se não vende. As edições de inéditos e outakes, de filmes, de antologias, de textos e biografias são ainda constantes. Fruto do sucesso de algumas recentes antologias dos Beatles (1 vendeu mais de dez milhões de discos), da edição alternativa de Let It Be e do álbum Acoustic, Lennon foi o terceiro morto mais rentável de 2004, com 22 milhões de dólares, ultrapassado apenas por Elvis Presely (45 milhões) e Charles Schulz (35 milhões). Lennon tem também dado de comer (bem) a muita gente. Sobretudo autores de livros, das mais sóbrias e respeitosas biografias às prosas mais descartáveis. A memorabillia Lennon também rende. O próprio filho, Julian, gastou muitos salários de futebolista para comprar o casaco que o pai usou na capa de Magical Mystery Tour...
Lennon, mesmo quase unânime, ainda não é assunto pacífico. O activismo de 70 é hoje elemento para documentários. Mas a presença de Yoko, mesmo aos 72 anos, ainda incomoda McCartney, e vice versa. Ela chegou mesmo a comparar John a Mozart e Paul... a Salieri. Deve ter visto o filme de Milos Forman...