segunda-feira, agosto 04, 2008

John Lennon: o último dia (1)

Em tempo de estreia nacional do filme Capítulo 27 – O Assassinato de John Lennon, apresentamos ao longo dos próximos dias a versão editada de um texto publicado em 2005 no DNmúsica que relata o último dia do ex-Beatle.

Nova Iorque, 8 de Dezembro de 1980. Quando John Lennon e Yoko Ono saíram da cama, já os ingleses tinham acordado ao som da voz do ex-Beatle e da sua mulher, numa inesperada mensagem de Natal pré-gravada, que sublinhava o entusiasmo que o dominava depois de ver editado, dias antes, o seu primeiro álbum em cinco anos, Double Fantasy. John e Yoko saudavam os ouvintes, desejavam boasComing Up festas e revelavam que iam regressar brevemente a solo inglês, viagem já prevista a bordo do recentemente inaugurado transatlântico QE2.
O dia parecia um como os que o casal Lennon vivia desde o final das gravações de Double Fantasy e o início de uma etapa promocional que devolveu Lennon às páginas dos jornais e fez do álbum um imediato sucesso no momento da edição, para felicidade do editor, David Geffen, o único que jogou e apostou em Yoko Ono como interlocutora, aceitando o disco como de ambos e não apenas como de Lennon , como as demais editoras, com quem negociaram, procuravam fazer. Double Fantasy nasceu na ressaca de cinco anos de silêncio, de uma crise de profundo relacionamento com drogas por Yoko Ono, e de um desejo, activado por uma rivalidade nunca apagada, de suplantar a eficácia pop de Coming Up, uma canção recentemente editada por Paul McCartney. John quis responder-lhe com uma canção para o Top 40, o que há muito não conseguia. E assim foi, com todo um álbum capaz de repetir a proeza de Just Like Starting Over, o single que o apresentou semanas antes.

Lennon e Yoko levantaram-se bem cedo, pelas 7.30 da manhã, com pequeno-almoço no La Fortuna, perto do Dakota, o imponente prédio de apartamentos de luxo, com arquitectura neo-gótica, onde vivia. Seguiu-se uma passagem pelo barbeiro, Veez a Veez, na rua 72, onde cortou o cabelo longo, com o qual se havia mostrado nas imagens promocionais do novo álbum, optando por um radical back to the basics, de lá saindo como se de um "beatle" de finais de 50 se tratasse. O corte de cabelo tinha uma razão. Pelas dez da manhã, o casal esperava jornalistas para uma entrevista. E, logo depois, a visita da fotógrafa Annie Leibovitz, que depois de um primeiro encontro no apartamento, alguns serões antes, ali iria fazer a sessão de fotos para acompanhar um texto na Rolling Stone. Na entrevista, Lennon arrumava os anos 70 parecendo querer esquecê-los. E mostrava-se optimista quanto aos 80 que então começavam, firme nas suas convicções como homem de paz e de ideias positivas. Duas horas depois da entrevista, chegou ao apartamento a fotógrafa. A sessão estava marcada para as duas da tarde, mas Leibovitz queria vincar a sua ideia ousada de despir Lennon para a câmara. Afinal os nús de activismo arty de finais de 60 eram já história do passado, e Lennon um homem nos seus 40 anos, pai de dois filhos e de ar burguês, nada rebelde. Mesmo assim não hesitou. Despiu-se, deitou-se sobre Yoko, vestida, e a fotógrafa registou o momento, que chegaria à capa da Rolling Stone em finais de Janeiro de 1981 (eleita, em 2005, a melhor capa dos últimos 40 anos na imprensa norte-americana). Foi a última foto do casal Lennon .
(continua amanhã)