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Afinal de contas, quando olhamos a realidade, que é isso a que damos o nome de realidade? E esse nome, somos nós que lho demos? Ou estamos a usar o nome que nos disseram para chamar àquilo que ainda não tinha nome? Que estamos a ver?, eis a pergunta de todos os instantes, face a todas as imagens — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 de Agosto), com o título 'Um mundo de fait divers'.
E aqui estamos, uma vez mais, enredados em duas perguntas perturbantes. Que fazer com as imagens do assalto a um banco? Que palavras lhes podemos sobrepor? Ou ainda: será que sabemos distinguir um facto vivido da sua representação mediática?
Nos tempos que correm, as respostas televisivas mais frequentes são: primeiro, repetir, repetir, repetir as imagens, olhá-las como se fossem uma ficção em DVD, reversível, em loop; depois: colar-lhes palavras que funcionem como rótulos globais, a começar pela palavra mágica entre todas que é “violência”.
Em termos práticos, isto significa que o fait divers é rei no nosso espaço mediático. Não que o fait divers não envolva, muitas vezes, factores extremos e extremados (e penso, desde logo, neste caso, no sofrimento dos reféns). Mas é como se a vida social fosse concebida como uma obrigatória colagem de situações de angústia potencial. Vivemos num espaço colectivo que se auto-representa como uma ficção de alarmes mais ou menos espectaculares. Cristiano Ronaldo vai ou não vai para o Real Madrid? Os assaltantes já foram capturados? Qual a diferença?