domingo, julho 13, 2008

Que debate político?

O debate sobre o 'Estado da Nação' levou o Governo à Assembleia da República, num "diálogo" de extrema pobreza política — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Julho), com o título 'Sem pele, sem carne, sem osso'.

Involuntariamente, Paulo Rangel, líder parlamentar do PSD, resumiu a pobreza ideológica e filosófica do debate quando referiu que os portugueses estão a sentir a crise “na pele, na carne, no osso”. Seria bom poder sentir do mesmo modo a riqueza dos discursos da nossa classe política. Chegámos ao nível da teatralidade mais amadorística, com José Sócrates a pedir para alguns relatórios serem entregues na bancada de Paulo Rangel (que, por ingénua imprudência, achou por bem recusá-los) e Paulo Portas a enviar ao primeiro-ministro algumas facturas de gasolina…
O problema não está nas razões de cada político, certamente legítimas e mais interessantes do que aquilo que sabem demonstrar. Em boa verdade, comportam-se como se apenas quisessem “ganhar” uma edição do programa televisivo Prós e Contras. Não admira que os mais fortes sejam os que dominam esse primário jogo mediático. A começar por Sócrates que lembrou, para diferentes opositores, que “não se ganha um debate com esse alarido” e “não é preciso recorrer ao insulto para ganhar um debate”. Tem razão o primeiro-ministro. E, no entanto, prevalece a sensação de que os estilos dominantes do trabalho político tendem a esgotar-se numa gestão mais ou menos hábil de aparências mediáticas (na certeza de que “aparências mediáticas” se tornou um dos grandes pleonasmos do nosso tempo).
Até mesmo a predominância dos tons azuis de fatos e gravatas, incluindo no militantismo sem gravata de Francisco Louça, parece ser um sintoma, também ele involuntário, de uma uniformização das imagens de marca (viva a gravata vermelha de Paulo Rangel!). Dir-se-ia que a classe política caiu num buraco que para si próprio desenhou, entregando-se a heróicos “combates de galos” que, debate após debate, só podem adensar o sentimento de desencanto (político, justamente) que todos os dias sentimos no comum dos cidadãos. Afinal de contas, esta é a mesma classe política que, sem excepções à vista, passou a promover a noção de patriotismo através dos feitos da selecção portuguesa de futebol.