domingo, julho 06, 2008

Madonna: pessoal e confessional

A propósito das notícias do possível divórcio de Madonna, de Guy Ritchie, o Diário de Notícias (5 Julho) publicou um dossier sobre as relações entre a sua vida privada e a sua imagem pública — este texto, publicado com o título 'Memórias e canções sob o signo da mãe ausente', integrava o referido dossier.

Um lugar-comum muito popular proclama que, por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher... Nunca percebi muito bem se o objectivo de tal aforismo é diminuir os homens (e será chantagem moral) ou enaltecer as mulheres (e a fórmula parece-me meramente hipócrita). Digamos, para simplificar, que nem mesmo a inversão desse lugar-comum nos permite encaixar Madonna numa categoria corrente da “guerra dos sexos”: nenhum dos seus homens se distingue por ter marcado a sua obra. Porventura o caso mais forte de aliança entre a vida íntima e o trabalho artístico aconteceu no filme de Warren Beatty, Dick Tracy (1990): Madonna deu ao filme [cartaz em cima] o seu sentido básico de glamour; Beatty soube estimar tão preciosa dádiva, conferindo-lhe a iconografia (e a aura) de uma star.
Se quisermos ser muito cruéis e francamente parciais (noblesse oblige), lembraremos o caso do realizador de cinema Guy Ritchie, casado com Madonna desde 22 de Dezembro de 2000. Depois dessa data, Ritchie tem na sua filmografia dois momentos de facto extraordinários, ambos em 2001: o primeiro é o teledisco de Madonna, What It Feels Like for a Girl, e dura cerca de quatro minutos e meio; o segundo chega aos oito minutos [foto ao lado], faz parte de um conjunto de pequenas ficções de publicidade aos automóveis BMW e chama-se Star (adivinhem quem é a actriz principal...).
Estamos a falar de alguém que, com ironia ou dramatismo, não tem parado de cantar uma ferida primordial, simbolicamente aberta pela morte prematura da mãe (tinha Madonna cinco anos). Em boa verdade, mesmo nos seus delírios mais pop, não há obra mais pessoal e confessional. Uma das mais belas canções de Madonna, Mer Girl, começa mesmo assim: “Fujo da casa que não me contém / Do homem que não consigo guardar / Da minha mãe que me assombra...”
Claro que não é muito popular dizer que a obra de Madonna possui uma componente visceralmente trágica. E se não o é, isso decorre de uma evidência que o machismo dominante (também presente no espaço jornalístico, em particular nas suas mistificações mais rosáceas) tem dificuldade em aceitar: a história de Madonna, não tendo nada de anti-masculino, também não integra nenhuma figura protectora que faça “justiça” à autoridade dos homens. Madonna pode ter (e tem) a aura mitológica de um Elvis Presley, mas não há nenhum “Coronel” para condicionar a sua energia criativa. Aliás, para os mais dados aos temas da transmigração das almas, vale a pena lembrar que Elvis morreu no dia 16 de Agosto de 1977, o mesmo em que Madonna completou 19 anos.

FOTO Steven Meisel [fragmento], Vanity Fair (Maio 2008)