Entre as suas experiências discográficas mais recentes editou, em nome próprio, Showbusiness, com música que criou para o teatro...
Sim, foi música para três peças de teatro. Inclui excertos de três álbuns com música dessas peças de teatro.
O que o interessa neste tipo de trabalhos exteriores às rotinas mais regulares da criação de álbuns pop e às digressões que depois se seguem?
Não é um trabalho assim tão diferente. Mais diferente parece-me ser a composição de música instrumental para bandas sonoras. Quando componho instrumentais parece que estou a usar uma parte diferente do meu cérebro que a que trabalha quando estou a compor canções. Quando componho canções trabalho a letra e a música ao mesmo tempo, como obra única. Quando trabalho em instrumentais não uso os mesmos mecanismos de memória para me lembrar o que já fiz... Não tenho uma letra à minha frente...
Um argumento de cinema ou uma peça de teatro condicionam a escrita das canções para esses fins?
Todas as canções definem em si os temas sobre os quais se vai falar. O mesmo não se passa com a música instrumental.
Mas quando cria um álbum seu a temática é livre...
Sim, mas sou também eu quem escolhe com que peça de teatro posso vir a trabalhar. Se não me interessa, não trabalho nesse projecto.
O que lhe chamou a atenção nessas peças em que trabalhou. A história? A herança cultural chinesa?
A minha mãe é budista tibetana. E criou-me, expondo-me à cultura asiática de formas bem diferentes das habituais para muitos ocidentais. Por isso não foi um caso de descoberta de um fascínio pela cultura chinesa. Creio que é algo que faz parte do meu quotidiano. Não a sinto como uma descoberta. Tenho também uma certa familiaridade com a música de Kurt Weil para teatro. E daí podemos falar de Bertold Brecht, que era muito influenciado pelo teatro chinês. Pareceu-me, por isso, natural trabalhar uma ópera chinesa...
Faria uma ópera?
Não creio que gostaria de trabalhar com cantores de ópera, de quem se espera que produzam um registo... operático. Sou um crente na necessidade do ouvinte compreender as palavras que se canta. Se não se compreendem as palavras, então para que servem? Então seria melhor trabalhar sem elas! Acho aborrecido que não se consigam entender as palavras...
Mas entendem-se as palavras num Einstein On The Beach, de Philip Glass...
Eu não compreendo as palavras no Einstein On The Beach (risos)... Normalmente não entendo as palavras na música coral. Os coros têm de estar muito bem ensaiados para que se entenda bem o que cantam. Pelo menos quando cantam em língua inglesa. Talvez isso varie noutras línguas. Talvez em línguas que usem muitas vogais no fim das palavras se compreenda melhor o que cantam os coros. Mas no inglês e no alemão, onde há sempre muitas consoantes no final das palavras, torna-se difícil entender o que se canta.
A capacidade de dar a entender ao ouvinte as palavras que o cantor canta será, então, uma conquista da música popular?
Em oposição à ópera? Talvez... Mas a ópera não é o único registo vocal exterior à música popular.
Há música para teatro que não recorre ao canto lírico...
Também não me interessa a opereta, porque não se compreende também o que cantam. Somos supostos olhar para o palco e compreender o que é a história que se conta. As letras, aí, não nos ajudam a compreender a acção. E ficamo-nos pela melodia. E isso não me interessa. E acabo aborrecido ao fim de 90 minutos de melodias bonitas. Mas que na verdade não o são... Há três minutos de melodias bonitas e, depois, outras coisas...
(conclui amanhã)