Concluímos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Beck, sobre o álbum Modern Guilt, que serviu de base a um artigo publicado no DN a 15 de Julho.
Como vê hoje o que atingiu já na sua carreira?
Deixaria de lado 95 por cento do que fiz.
Como assim?
Se tivesse de escolher entre tudo o que já fiz, escolheria talvez uma dez canções... Apenas dez... São aquelas canções nas quais sinto que acertei no alvo. Por isso sinto que tenho de focar mais atenção na escrita de canções que na promoção e nos concertos.
Sea Changes fica mais perto dessa ideia do álbum de um escritor de canções. É um álbum que conte entre esses tiros certeiros?
É um disco mais clássico. Gostaria de descobrir outros tipos de música a que pudesse chamar minha. Tenho estado a trabalhar numa música recentemente, que parece ser algo novo. Penso que é mesmo novo... É algo que puxa para cima, mas sem ser new age nem MOR [middle of the road]. É positiva, mas sem ser fútil. Digo inspiradora e apontada para cima como num Van Morrisson ou em certos artistas de África ou da América do Sul. O Caetano Veloso é aqui um bom exemplo. Faz uma música que tem vida, mas também se ouve sem dificuldade. E que não é easy listening. Estou a ficar com pouca vontade de trabalhar com muita tecnologia. E até mesmo com as electrónicas, apesar de ter trabalhado muito com elas... Diminui-se a esperança de vida de uma canção sempre que nela se usa tudo o que está muito na moda... Mas há excepções. Os Clash transcenderam o punk. E os Beatles sobreviveram à invasão britânica. Por vezes a música tem de romper o futuro, tem de puxar para a frente... Especialmente neste momento. Há tantas bandas a fazer punk dançável...
O que pensa dos discos recentes de uns Fuck Buttons, uns Animal Collective ou mesmo o de Panda Bear, a solo?
É música que sinto que tem a ver com coisas que gosto. Relaciono-me muito bem com essa música.
Tem inéditos gravados, mas não editados?
Tenho algumas coisas por editar... Mas não sei se as edite...
Editará as versões de Nick Drake que gravou recentemente?
Não sei se as pessoas precisam de versões, quando têm os originais! Durante algum tempo pensei em fazer um disco de versões. Uma espécie de Sea Change, mas só com versões. Havia tantas canções que tiveram um peso formativo para mim, de artistas como o Nick Drake, John Martyn, John Cale, Joni Mitchell, Leonard Cohen... A lista é enorme... Canções que precisam de passar para a geração seguinte... Frank Sinatra cantou muitas canções 30 anos mais velhas do que ele... Nos últimos cinco anos tenho-me interessado muito pela ideia da canção. Estou menos interessado nas personalidades, ou na quantidade de hits que as bandas têm no seu Myspace. Como é a canção? É isso o que me interessa. E quando a indústria musical reduzir todos ao mesmo nível a canção é o que vai ficar. Não se viverá mais do hype. E por isso o Panda Bear foi votado nos EUA como o melhor álbum desse ano. Quando comecei esse teria sido o tipo de disco que eu e os meus amigos teríamos conhecido e que seria o nosso pequeno segredo. Era assim porque os gatekeepers não entendiam bem algo que tivesse um sentido artístico e que não soasse ao que estava a acontecer... Hoje esses gatekeepers têm outra visão e a música passa...
E essa não é uma conquista da idade da Internet?
É um dos lados positivos da Internet?
E quais são os lados negativos? O excesso de informação?
Sim... Mas também o retirar a ritualização à música. O ir comprar um disco, sair, escolher, ouvir... Esse ritual desapareceu.