terça-feira, julho 22, 2008

Em conversa: Beck (2/3)

Continuamos a publicação da versão integral de uma entrevista com Beck, sobre o álbum Modern Guilt, que serviu de base a um artigo publicado no DN a 15 de Julho.

Tem vivido na Califórnia. A capital mundial do showbiz pode ser uma distracção para quem quer focar as atenções em algo que não as luzes da fama?
Não o é para mim... Vivo longe da cena. Quando cresci, em finais dos anos 80, a cena de Silverlake, eram umas 40 pessoas. Hoje são milhares... E eu não faço parte dessa cena. Fico no meu pequeno grupo de pessoas. Não vou a festas, não me dou com celebridades. Nem sei porque ainda estou por lá. A maior parte da minha família nem vive mais por lá. O meu pai vive em Nova Iorque...

Nunca pensou em regressar aos lugares dos seus antepassados escandinavos?
Adoraria viver por lá. Falo nisso a todo o tempo... Tenho é de ver se consigo convencer a minha família a fazer a mudança. Sinto uma grande vontade de abandonar Los Angeles há já algum tempo.

E que tem impedido a mudança?
A família, basicamente. Nada mais. Não tenho mais ligações. O management está por lá, mas falo com eles pelo telefone duas vezes por semana. Nem os vejo.

O que sente quando lê grandes rótulos aplicados a si, como poeta rock’n’roll ou camaleão...
Não me importo... Mas não é natural ter um rótulo. Um escritor é um escritor. Quem guia um camião é camionista... Mas quando se é músico aparecem todos aqueles rótulos... E eu não acho que me enquadro particularmente em nenhum específico... Tudo em mim é subjectivo. A minha vida interior mal se revela através da minha música. Talvez algumas ideias passem, mas não sei se tenho sido bem sucedido ao fazê-lo. Creio quando chegar aos 55 ou 60, talvez o consiga fazer... É o que tenho tentado comunicar... Mas talvez esteja a começara conseguir fazê-lo...

E consegue comunicar quem é através dos discos de que gosta? Ou seja, identificar-se com eles e partilhar essa relação... Como, por exemplo, com Nick Drake que tanto admira?
Sim... Para mim espanta-me a claridade do seu trabalho e a sua economia... Não me identifico necessariamente com a melancolia, que é o que leva muitos a gravitar em seu redor. Interessa-me mais a pureza do seu ser. Conseguiu algo que eu anseio poder um dia atingir. Este novo disco era uma tentativa de tentar deixar de lado o extra. O que havia a mais na minha música...

E não sente uma espécie de nudez, uma vez despido desses recursos adicionais: os arranjos, a produção?...
Nem por isso, porque de certa maneira regresso a um lugar onde comecei. E não sinto saudades do que deixei para trás. Esta digressão está a ser interessante por isso mesmo. É a primeira vez que não viajo com luzes, nem ecrãs, não temos cenário em nem mesmo roupas especiais para o palco. Apenas as canções... Talvez seja aborrecido para o público. Mas talvez seja mais nítido.
(conclui amanhã)