domingo, junho 22, 2008
Vozes sem fronteiras
Uma característica comum aos compositores em afirmação neses primeiros anos do século XXI parece ser o definitivo ultrapassar de barreiras entre géneros, as suas obras mostrando por um lado genéticas colhidas na aprendizagem clássica, mas por outro lado abrindo portas e janelas à comunicação com formas diversas da cultura popular que asseguram sinais de afirmação de um lugar e de um tempo onde a música acontece ou se projecta. Nico Muhly, um nova-iorquino de 26 anos, é mais um nome a ter em conta no cenário presente da música contemporânea. Passou pelas salas de aula da Columbia University e da exigente Julliard. Há muito que trabalha com Philip Glass, sobretudo no trabalho de produção de bandas sonoras para o cinema. Mas também foi já músico em sessões de gravação de Björk e Rufus Wainwright. E entre os seus projectos de momento contam-se tanto sessões de gravação com Antony Hegarty ou a composição de uma primeira ópera, para a English National Opera... Mothertongue (tudo junto numa palavra só) não é seu primeiro disco. Mas é o que, até ao momento, mais deixa clara o extenso horizonte de interesses do jovem compositor. O disco apresenta três obras, cada qual bem distinta das demais, todas elas em comum partilhando um interesse pela exploração do canto e da linguagem. Mothertongue, que dá título ao disco, conta com a mezzo-soprano Abigail Fischer e pisca ostensivamente o olho à memória das composições minimalistas para ensemble e voz de Philip Glass em meados dos anos 70, nomeadamente Einstein On The Beach e Music in 12 Parts. Wonders, para a voz islandesa de Helgi Hrafn Jónsson, vinca outro dos interesses maiores (e mais antigos) de Muhly, cruzando tempos rumo à herança das obras vocais de compositores do renascimento, nomeadamente figuras como William Byrd ou John Taverner, neles procurando um melodismo que projecta numa série de deslumbrantes composições. A fechar, o pequeno ciclo The Only Tune parte de uma assimilação de técnicas de construção vocal por adição que evocam uma vez mais os primórdios do minimalismo (aqui mais na linha das primeiras peças vocais de Steve Reich), revelando depois inesperada curiosidade pelo sentido de simplicidade da canção folk. Numa cativante terra de ninguém acima das barreiras dos géneros, Mothertongue é, como os recentes Ayre, de Osvaldo Goloijov, ou IBM 1401, de Jóhann Jóhansson, sinal de uma nova identidade erudita sem medo da assimilação das longuagens da música pop. De um discípulo de Philip Glass, de resto, outra coisa não seria de esperar.