
Em 2007, para comemorar a 60ª edição do Festival de Cannes, o presidente do certame, Gilles Jacob convidou 33 autores de todo o mundo a rodar um pequeníssimo filme (3 minutos) sobre os sentimentos que hoje lhes inspira a sala de cinema. O que é? Como a encaramos? Como a ocupamos? Ou ainda: na idade triunfante do DVD, que valor damos ao espaço mais tradicional de consumo dos filmes?

Mais do que nunca, o resultado tem tanto de fascinante como de inquietante. Isto porque a grande maioria dos cineastas encena pequenas ficções que têm lugar em salas mais ou menos vazias e abandonadas. David Cronenberg [foto em cima] vai mesmo ao ponto de filmar o suicídio do “último judeu” (interpretado por ele próprio) na “última sala de cinema do mundo”, tudo em transmissão típica de “reality show”. Para bom entendedor...

No documentário Chacun son Entretien, a neozelandesa Jane Campion coloca de forma particularmente sugestiva a questão da relação com a sala de cinema. Lembra ela que, em muitos casos, mais do que dos filmes da sua juventude, se recorda das salas em que os viu e até das ruas por que era preciso passar para lá chegar. E acrescenta que, com um DVD, não se está em lugar nenhum... Na verdade, não se trata de demonizar os suportes alternativos, cada vez mais importantes na vida económica do cinema (repito, aliás, que me estou a referir a um filme já disponível em DVD). Trata-se, isso sim, de voltar a lembrar que a preservação das salas da cinema corresponde a algo mais do que um mero problema de marketing. O que está em jogo tem a ver com uma dimensão cultural específica e, em última instância, com um modo secular de viver as imagens (e com as imagens). Como sugere Cronenberg, no dia em que já não houver salas de cinema, estaremos perante o apocalipse televisivo.