Nos tempos que correm, promove-se muitas vezes a ideia de "marginalidade" apenas para fazer render qualquer coisa — até mesmo para vender cervejas ou telemóveis... Em todo o caso, creio que isso não nos deve fazer esquecer que as margens existem. E que, por vezes, por lá acontecem coisas que mereciam ser vistas... mais ao centro. Por razões de natureza familiar, descobri um belo espectáculo teatral feito, justamente, num desses espaços mais ou menos "ocultos". Infelizmente, só o vi no derradeiro dia de repre-sentações — 30 de Maio —, pelo que já não posso sugerir a sua descoberta. Mas creio que vale a pena registar a experiência: Máquina-Édipo foi apresentado pelo Grupo de Teatro da Nova, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL (Universidade Nova de Lisboa).
Numa encenação de Diogo Bento, 15 actores evoluem no espaço de uma garagem (literal-mente: no piso -4 da Torre Principal da UNL), habitando um universo que nasce de um riquíssimo princípio de colagem. O tema envolvente é, triplamente, Édipo: primeiro, o rei mítico de Tebas, imortalizado na tragédia de Sófocles; segundo, o modelo para a elaboração teórica do complexo de Édipo, por Sigmund Freud; terceiro, uma espécie de fantasma virado do avesso, estruturante do primeiro volume de Capitalismo e Esquizofrenia, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, sintomaticamente intitulado O Anti-Édipo (já editado em tradução portuguesa).
A encenação proposta é, de princípio a fim, um jogo de máquinas, ou seja, um labirinto de matérias em transformação — vai das acções aparentemente mais "neutras" aos gestos intencionalmente metafóricos, da ordem figurativa ao caos anímico, num happening que conserva, paradoxalmente, a coerência formal de um verdadeiro acontecimento teatral. O balanço tem algo de uma tempestade simbólica sobre o inconsciente da(s) nossa(s) vida(s) — aqui coexistem a máxima angústia e um humor sem fronteiras, a nitidez do que não é possível verbalizar e o sabor acre da liberdade.