quarta-feira, maio 14, 2008

Sinatra, dez anos depois

As luzes não brilharam em Las Vegas na noite em que "A Voz" se despediu. Não foram apagadas, mas iluminaram a cidade dos palcos e casinos com menos intensidade que o habitual. Estávamos a 14 de Maio de 1998. Doente há algum tempo, assolado por um segundo ataque cardíaco, Sinatra morria no Cedars-Sinais Medical Center, ao lado da mulher Barbara e da filha Nancy. Terá dito "I'm losing" pouco antes de nos deixar. O inventor da canção pop enquanto fenómeno maior da música para as massas saia de cena, diz a lenda, com um frasco de Jack Daniels e moedas para o telefone no bolso.

Sinatra foi o mais versátil, completo e bem sucedido da sua geração. E também o que mais sobreviveu ao tempo, reinventando-se a cada nova etapa na história do entretenimento e suas ferramentas de comunicação para o grande público. Dos palcos dos anos 30 aos primórdios da gravação digital utilizando transmissão de registos por linha de telecomunicações (que permitiu a construção dos álbuns de duetos que editou nos anos 90), Sinatra conheceu e dominou os veículos de difusão ao serviço da sua obra. Do cinema à televisão, dos palcos aos discos, afirmou-se pelas inegáveis qualidades vocais e pelo reconhecido carisma da sua figura. Os biógrafos gostam de falar das muitas faces de Sinatra. Ou, mesmo, dos "vários" Sinatras. Uns inclusivamente contraditórios entre si (como o foi, por exemplo, o contraste entre as campanhas pelos direitos dos negros à performance em palcos para brancos na América de 60 e o controverso contrato que o levou a Sun City, na África do Sul, em inícios de 80). Ao evocar "A Voz" (como em muitos círculos acabou reconhecido), é natural que se transcenda a memória da música. O Sinatra das mulheres. O Sinatra entre políticos (também aqui espelho de contradições, ora apoiando o democrata J. F. Kennedy, ora os republicanos Nixon e Reagan). O Sinatra com alegadas ligações a submundos de negócios menos transparentes. O Sinatra editor (foi dos primeiros músicos a lançar a sua própria etiqueta discográfica, a Reprise). O Sinatra actor...

Inspirado por Bing Crosby (pioneiro no recurso ao microfone em palco), Sinatra cedo soube que estar em cena implicava um acto de comunicação, de partilha e de sugestão de empatia. A personalidade vincada levou-o a afastar-se de uma carreira diluída entre um grupo (e militou no de Tommy Dorsey), em 1939, ao cabo de apenas quatro anos de vida musical. No mesmo ano em que se estreava, com Our Love, somava, com I'll Never Smile Again, o seu primeiro número um. As décadas seguintes levaram-no por um versátil, e consistente, caminho enquanto cantor Dominou o swing. Mas brilhou mais ainda frente a grandes orquestras, sob atenta dedicação de maestros (e arranjadores) como Gordon Jenkins, Nelson Riddle ou Billy May. Viveu momentos melhores, outros piores. E por mais de uma vez soube sair de cena, para regressar em melhor ocasião. A sua discografia corre tempos, géneros, autores e compositores que, como Sinatra, escreveram a história da música popular no século XX. Sem a sua voz, teria sido um século diferente.
(versão editada de um texto originalmente publicado no suplemento DNGente, do DN, a 10 de Maio).



Aqui se escuta (e vê) It Was A Very Good Year, canção do sublime September Of My Years, talvez o melhor dos álbuns de Sinatra. Gravado em 1965, a assinalar os 50 anos, mostra uma voz em pico de forma, canções de escrita maior e magníficos arranjos de Gordon Jenkins.