Não terá sido um concerto que possamos definir como sereno. No Grande Auditório da Fundação Gulbenkian (dia 4, 19h00), Ivo Pogorelich viu-se compelido a resistir a um desagradável ruído (do pedal do piano?) que o levou a interpretar duas sonatas de Beethoven (nºs 32 e 24) como se fosse necessário afirmar a essência da música contra os acidentes da matéria. Isto para não falarmos das tosses por "simpatia" e, pelo menos, de um telemóvel descontrolado... O mínimo que se pode dizer é que a vitória absoluta de Pogorelich nos fez redescobrir todas as nuances das texturas "beethovianas", como se estivéssemos a assistir a um renascimento do mundo. Segunda parte (e piano mudado) com Brahms (Intermezzo em Lá maior, op. 118 nº 2) e Rachmaninov (Sonata nº 2): a mesma austeridade radical e a renovada sensação de um tempo de resgate da música, devolvida a uma espécie de grau zero da sua própria verdade. Sem derivações postiças, com uma intensidade tecida de pudor. Concerto do ano? Com e sem ruído.