Como é que as televisões representam o 25 de Abril? E a história em geral? E que efeitos provocam essas representações? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Abril), com o título '34 anos depois'.
Durante anos e anos, vimos o 25 de Abril televisivamente simbolizado pelo mesmo automático arranjo de imagens e sons: alguns planos a preto e branco da revolta no Largo do Carmo pontuados pelo Grândola, Vila Morena, de José Afonso (entretanto banalizado como “Zeca” Afonso, até mesmo por muitos dos que nasceram depois e o referem como se tivessem andado com ele na escola primária...). Provavelmente, hoje vai voltar a acontecer.
É óbvio que nem só disso se faz a memória colectiva do 25 de Abril. E a sociedade portuguesa continua a lutar, de modos variados, para ao menos ter direito à complexidade contraditória das suas memórias. Mas esse tipo de automatismo “informativo” foi desgastando essas mesmas memórias e as nossas mentes, com a mesma estúpida indiferença com que, a pretexto de tudo e de nada, se repetem imagens dos atentados do 11 de Setembro como se fossem spots publicitários intermutáveis.
Trinta e quatro anos depois, valerá a pena reparar que esta banalização televisiva se tem desenvolvido como um monstro de muitos tentáculos, o mais recente dos quais é a demonização automática de tudo o que aconteceu no tempo do Estado Novo. De facto, uma coisa é reconhecer que o país viveu uma ditadura de muitos silêncios e muitos sofrimentos. Outra, bem diferente, é esse desporto irresponsável que tende a favorecer a ideia de que vivíamos todos fechados em casa, à espera que não houvesse uma patrulha policial a passar na nossa rua...
Estou a caricaturar? Muito pouco, para dizer a verdade. Num país de concursos fúteis e telenovelas que se repetem umas às outras, a banalização do passado (e, em particular, do nosso passado salazarista) transformou-se num efeito ideológico de rotina. É mais fácil supor (ou fazer supor) que a realidade era a preto e branco. É sempre infinitamente mais difícil lidar com a pluralidade de qualquer momento histórico e com o seu perturbante tecido de alegrias e dores, criações e depressões. Passámos a ser regidos pelas leis do fácil e, de facto, não foi para isso que se fez o 25 de Abril.
Durante anos e anos, vimos o 25 de Abril televisivamente simbolizado pelo mesmo automático arranjo de imagens e sons: alguns planos a preto e branco da revolta no Largo do Carmo pontuados pelo Grândola, Vila Morena, de José Afonso (entretanto banalizado como “Zeca” Afonso, até mesmo por muitos dos que nasceram depois e o referem como se tivessem andado com ele na escola primária...). Provavelmente, hoje vai voltar a acontecer.
É óbvio que nem só disso se faz a memória colectiva do 25 de Abril. E a sociedade portuguesa continua a lutar, de modos variados, para ao menos ter direito à complexidade contraditória das suas memórias. Mas esse tipo de automatismo “informativo” foi desgastando essas mesmas memórias e as nossas mentes, com a mesma estúpida indiferença com que, a pretexto de tudo e de nada, se repetem imagens dos atentados do 11 de Setembro como se fossem spots publicitários intermutáveis.
Trinta e quatro anos depois, valerá a pena reparar que esta banalização televisiva se tem desenvolvido como um monstro de muitos tentáculos, o mais recente dos quais é a demonização automática de tudo o que aconteceu no tempo do Estado Novo. De facto, uma coisa é reconhecer que o país viveu uma ditadura de muitos silêncios e muitos sofrimentos. Outra, bem diferente, é esse desporto irresponsável que tende a favorecer a ideia de que vivíamos todos fechados em casa, à espera que não houvesse uma patrulha policial a passar na nossa rua...
Estou a caricaturar? Muito pouco, para dizer a verdade. Num país de concursos fúteis e telenovelas que se repetem umas às outras, a banalização do passado (e, em particular, do nosso passado salazarista) transformou-se num efeito ideológico de rotina. É mais fácil supor (ou fazer supor) que a realidade era a preto e branco. É sempre infinitamente mais difícil lidar com a pluralidade de qualquer momento histórico e com o seu perturbante tecido de alegrias e dores, criações e depressões. Passámos a ser regidos pelas leis do fácil e, de facto, não foi para isso que se fez o 25 de Abril.