quarta-feira, abril 30, 2008
Para ver a Angola que se ouve
Uma das melhores propostas do programa da secção IndieMusic, da edição deste ano do festival Indie Lisboa é um documentário mais interessado no contexto que enquadra a criação que sobre a obra em si. Tem por título É Dreda Ser Angolano e é um documentário assinado pelo colectivo Família Fazuma, nascido (ou antes motivado) pelo álbum Ngongenhação do Conjunto Ngonguenha. Ou, como se explica no ecrã, “um mambo tipo documentário” inspirado no disco. Ovimbuno, qimbundo, bakongo, bosquimano, mestiço e branco. Kizomba, semba, rebita, cabefula, kuduro... Tudo isto, como se lê no início do filme, são “formas de ser, falar, cantar, dançar e sentir em Angola”. Contudo, mais que um olhar sobre as línguas que se falam e as músicas que estas cantam, É Dreda Ser Angolano é, antes, um conjunto de olhares que nos revelam o espaço social, político e cultural de onde esta nova música angolana brota. Explica as suas genéticas, a sua identidade. E, como o faz Sebem, se bem que então falando em concreto do kuduro, a sua genuinidade. Um certo tom informal domina os olhares que cruzam ruas e escutam transeuntes, entre o trânsito, em mercados ao ar livre, em zonas residenciais. Ali falam das cenas do quotidiano, de casas sem luz (mas com fio puxado do vizinho), de valas de escoamento que são perigo em dia de chuvada, de assaltos depois das nove da noite, de lixo e jogos de bola. Entre palavras do dia a dia surgem figuras, pensadores de rua que falam de arte, de poesia, naturalmente também de música. A música, de nomes como Conductor, Phay Grand, MCK, Das Primeiro, Sebem, Os Turbantes, MC Sembele, Keita Mayanda e, claro, o Conjunto Ngonguenha, cruza estes olhares e palavras, explicando-se, simplesmente, o texto no contexto. Um intreressante dispositivo visual, simulando uma viagem de carro ao som da Rádio Dreda, “a mais recente de Luanda”, serve de coluna vertebral às histórias dispresas que, assim, ganham corpo sólido. O trabalho de câmara é do próprio Ikonoclasta (Conjunto Ngonguenha), revelando formas diferentes de olhar o envolvente que assiste ao nascer destas músicas. Filme imperdível, hoje, pelas 21.15 no Cinema São Jorge.