terça-feira, abril 08, 2008

Discos da semana, 7 de Abril

Seis anos depois de Title TK, quase 20 sobre a estreia em Pod, as Breeders (agora em quarteto) voltaram a juntar-se em estúdio para gravar nova colecção de canções que traduzem o seu primeiro esforço depois da reunião dos Pixies. Antes de mais vinque-se o papel fundamental que Kim Deal tem discretamente vivido no panorama indie rock norte-americano desde finais de 80, nela se revelando um modelo que fez escola e tem descendências evidentes em várias vozes da geração 00. O novo disco naturalmente reafirma esse talento, com um protagonismo que, de certa forma, nunca conheceu nos Pixies. Depois de uma etapa inicial de vida do grupo, na qual Tanya Donelly foi segunda força criativa (e mediática), Kim Deal reparte agora o trabalho com a “mana” Kelly, a elas se juntando José Meledes e Mando Lopez, ex-Fear. Mountain Battles, o disco que agora emerge deste encontro, é um conjunto de belíssimas canções curtas (raramente atingindo os três minutos), frágeis de tão despidas de adornos, minimalistas nos recursos, mas plenas de intensidade emotiva (e o jogo de vozes, uma vez mais, é determinante neste domínio). Sempre houve bons refrões, pontuais experiências e um gosto pela exploração de texturas em todos os discos das Breeders. Mountain Battles é dos álbuns que mais bem doseia esses três pilares de sustentação da personalidade do grupo. Não há aqui instantes de ostensiva euforia pop como recordamos em clássicos de outros tempos como Cannonball ou Divine Hammer, isto não implicando que faltem os refrões que se cantarolam ou mesmo os momentos que pedem às pernas que dancem. Essencialmente implosivo, o disco mostra contenção mesmo quando a energia eléctrica aflora em temas como It’s The Love ou no mais espartano ainda Bang On. Uma das características mais cativantes do disco é nova prova do talento das Breeders na criação de ideias versáteis mesmo sob um mínimo de truques de maquilhagem, a surpresa portanto morando a cada novo tema que se escuta, por vezes revelando uma voz em alemão, noutro instante a assinar, em espanhol, a versão de um bolero. Pura satisfação gourmet, portanto.
The Breeders
“Mountain Battles”

4AD / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Quando uma banda se afirma pela expressiva diferença de uma sonoridade e nela aposta como elemento que a demarca da demais oferta, um desafio maior muitas vezes surge pela sua frente: como evoluir nos conteúdos sem alienar essa forma da qual aparentemente se não quer fugir? Os Sigur Rós têm conseguido manter acesas algum interesse pela sua obra apesar da evidente afirmação de identidade por um som, mais que outro elemento qualquer. O mesmo se pode dizer de nomes como uns Stereolab ou, num passado ainda não muito distante, uns Cocteau Twins ou Dead Can Dance... Os Clinic revelaram-se em 2000, através do inesquecível International Wrangler (e de consequente digressão de suporte aos Radiohead), com uma identidade firmada pela recorrente utilização de velhos teclados analógicos, progressões melódicas invulgares e uma voz, algo teatral, de personalidade igualmente vincada. Do It! É o seu quinto álbum de originais em oito anos, revelando uma regularidade algo invulgar nos dias que correm. Uma vez mais a identidade é marcada pela sonoridade, parecendo as partes relegadas para um segundo plano perante a sua soma. Há, contudo, entre as frestas de liberdade a que o grupo se permite, algumas marcas de ligeiro confronto com um livro de estilo que começa a pedir revisão... Uma pulsão retro (apontando azimutes à memória pop/rock de 60) ora transporta Memories ou Shopping Bag para cenários garage, ora traz a Free Not Free suaves sugestões da folk pastoral da época... Apesar das novas sugestões, um balanço final revela predomínio da forma sobre o conteúdo. Melhor que o anterior Visitations, mas ainda longe de fazer novamente deste quarteto de Liverpool uma força da primeira linha pop/rock actual.
Clinic
“Do It!”

Domino / Edel
3 / 5
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Não é difícil perceber porque moram os canadianos Black Mountain entre as figuras de referência dos mais fiéis dos oráculos em comprimento de onda indie rock... Mais um colectivo de músicos e amigos que propriamente uma banda (e a descrição acende logo luzinhas de entusiasmo), os Black Mountain mostram no seu segundo álbum, In The Future (que finalmente chega aos escaparates nacionais) um perfeito cenário para sessões de trainspotting. Ou seja, de tantas referências captadas, o disco serve um puzzle de referências, da folk ao psicadelismo, acrescentando face ao álbum de estreia alguns dados novos, nomeadamente citações de rock clássico dos anos 70, nomeadamente pontuais incursões pelo legado de uns Black Sabbath ou Led Zeppelin (evidentes logo na faixa de abertura, Stormy High). Há belíssimas canções por aqui. Angels ou Night Walks estarão certamente entre os melhores exemplos de canções indie do ano. E, como em qualquer banda feita da soma de melómanos com gosto apurado, o grupo serve aqui uma colecção de momentos que satisfazem quem partilhe de gostos semelhantes. Sente-se no alinhamento o efeito que a estrada confere a uma banda, fazendo das partes um todo que hoje responde como corpo uno. Aos Black Mountain falta contudo juntar uma pitada de intervenção ao conjunto de referências que convocam à mesa de trabalho. Como os Olívia Temor Control ou Of Montreal souberam recontextualizar pistas colhidas no psicadelismo ou os Neutral Milk Hotel na folk (e lá voltamos à santíssima trindade Elephant 6...), falta o traço que vinque a personalidade e faça de um grupo claramente capaz de criar belas canções, uma banda que soube partir das sua paixões para nelas encontrar uma partida e não um fim... In The Future mostra que podem estar no caminho. Mas têm ainda trabalho pela frente...
Black Mountain
“In The Future”

Jaggagwar / Sabotage
3 / 5
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O terceiro álbum d’A Naifa concretiza finalmente as intenções de criação de uma identidade pop de alma fadista que há muito mora na agenda dos desejos de quem faz música em Portugal. A história dos ensaios feitos em busca de uma assimilação de códigos do fado em ambiente pop é antiga. Passa por episódios vários como o Povo Que Lavas no Rio por António Variações, por discos de Anamar, de Anabela Duarte, pela curta existência dos Terra Mar, por um álbum (esquecido) de Paulo Bragança (Amai, de 1994, que chegou a ter edição internacional na Luaka Bop de David Byrne), pelos Ovelha Negra... Ao terceiro álbum, o colectivo A Naifa consegue o mais coeso conjunto de gravações da sua discografia. Uma Inocente Inclinação Para o Mal mostra sinais naturais de evolução de uma ideia que vêm a desenvolver desde o primeiro disco, porém só aqui atingindo em pleno um patamar de solidez (e aparente confiança). Não mais parece necessária a caução de poemas de autores já afirmados (ou em processo de afirmação). E a voz de Maria Antónia Mendes ganhou a confiança necessária para a exploração da personalidade que, nestas canções, aflora como nunca. A Naifa está no caminho certo. Um Feitio de Rainha e Filha de Duas Mães são dos melhores exemplos de sempre de uma pop com alma fadista. O alinhamento talvez seja longo demais (14 temas). A composição é segura, os arranjos cativantes (assimilando aparentemente o melhor do legado técnico do projecto Megafone). Falta abrir o leque dos ingredientes para oferecer mais sabores... Mas, mais que nunca, acertaram!
A Naifa
“Uma Inocente Inclinação Para o Mal”
Lisboa Records
3 / 5
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O álbum de estreia do trio francês The Teenagers é um claro exemplo de como o desafio do formato longo (leia-se o álbum) não é tarefa de sucesso garantido para quem, antes, até causou alguma expectativa com singles. Foi sobretudo Starlet Johansson, o seu segundo single, quem os colocou, ainda em 2007, no mapa dos casos a tirar prova dos nove em 2008. Como canção, tinha tudo para brilhar no firmamento pop. Uma ligação evidente a um ícone (mesmo com nome propositadamente mal escrito), uma pulsão rítmica contagiante (traçada sob segura dosagem de guitarras, ritmo sugestivo e temperos electro) e um refrão irresistível. O álbum, porém, é absolutamente desmotivador... Os três franceses (teenagers apenas de nome) que respondem pela banda não pareceram ser capazes de transformar o que nasceu como brincadeira numa coisa mais... séria. Começaram por chamar atenções com Homecoming, que até nem era uma má opção de single de estreia... Mas logo então falou-se mais da "letra" que da canção em si... Mais forma que conteúdo. Starlett Johansson, meses depois, virou a balança em seu favor. Mas que logo se entornou no inconsequente sucessor Love No, já deste ano... O álbum, agora, confirma que o desequilíbrio da balança não é acaso, mas antes a regra. As canções parecem feitas a regra e esquadro, todas desejadas diferentes, mas no fim todas iguais, com guitarras e programações, sobre as quais se mostra uma voz monótona mais falada que cantada... Mas com ar de coisa rebelde. Na verdade mais pueril que realmente rebelde... E que não convence, apesar da onda de “entusiasmo” que corre algumas avenidas da Internet...
The Teenagers
“Reality Check”

Merok
1 / 5
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Também esta semana:
Rolling Stones, Mexican Institute Of Sound, Triffids (reedições), James, Mobius Band, Black Kids, Elvis Costello (reedição), Steve Reich, Roni Size, Was Not Was, Alabama 3, Hot Gossip (reedição)

Brevemente:
14 de Abril: B-52’s, Balla, Kooks, The La’s (reedição), Blood Red Shoes, Cinematic Orchestra (live), Forward Fussia!, Paul Haig, Dead Combo, Long Blondes, Jamie Lidell, Visage (reedição)
21 de Abril: Camané, Last Shadow Puppets, Cut Copy, Robert Forster, Yundi Li/Ozawa (Prokofiev), Jonathan Richman
28 de Abril: Portishead, Madonna, The Presets, Crystal Castles, ABC, Tindersticks, M83, Air (reedição),

Maio: Spiritualized, Animal Collective (EP), Mesa, Scarlett Johansson, Tokio Police Club, Scarlett Johsnsson, Charlatans, Neil Diamond, Love (reedições), Marc Almond (EP), Soft Cell (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), OMD (live), NIN, Doors (live), Mountain Goats, dEUS, Supremes (raridades), Otis Redding (reedições), Radiohead (best of)
Junho: Dead Can Dance (reedições), Ladytron, Coldplay

PS. A crítica às Breeders é uma versão editada e reescrita a partir de um texto publicado no suplemento IN da revista NS.