domingo, março 16, 2008

A outra Hilary

No seu disco anterior, a jovem violinista norte-americana Hilary Hahn recuperou obras de duas figuras do século XIX: Paganini e Spohr. O novo disco leva-a um pouco adiante no tempo, rumo a dois compositores que, nascidos na segunda metade do século XIX, tiveram particular impacte na primeira metade do século XX. São eles Arnold Schoenberg (1874-1951) e Jean Sibelius (1865-1957), ambos com apenas uma experiência na escrita de concertos para violino. Precisamente as duas obras aqui gravadas em conjunto com a Orquestra Sinfónica da Rádio Sueca, dirigida por Esa-Pekka Salonen. São obras consideravelmente distintas. O concerto de Schoenberg foi composto entre 1935 e 36, e corresponde à sua primeira obra terminada depois de chegado à UCLA, em Los Angeles, fugido do regime de Hitler. O concerto, no qual são evidentes os esforços pioneiros de quem explorava novos estilos na composição, foi fonte de algumas frustrações para Schoenberg ainda antes de publicamente apresentado. É quase uma lenda da música do século XX a história que relata como o jovem virtuoso Hifetz, colega de Schoenberg na UCLA, devolveu as partituras ao compositor, descrevendo o concerto como apensas possível de tocar por um violinista que tenha um sexto dedo na mão... A história provou ser falso o julgamento. Toadavia, ainda hoje, o Converto para Violino de Schonberg (dedicado ao seu aluno Webern) é apenas interpretado por violinistas de excepção. Bem diferente é o Concerto Para Violino de Sibelius, igualmente registado neste disco. Mais próximo (diga-se mesmo familiar) dos cânones da música para concerto da alvorada do século XX, foi composto em 1903, por um ainda jovem Sibelius, estreado sob sua direcção em Helsínquia, revisto depois em 1905, aí surgindo a versão definitiva que hoje conhecemos. Aceitando ainda marcas do romantismo, juntando motivos folk locais, é uma obra de espantosa solidez, uma vez sabendo-se ter sido composta num período de vida pessoal agitada para o compositor, entre finanças periclitantes e intenso consumo de álcool.

Hillary Hahn, aos 28 anos, é já um dos nomes de primeira linha no actual panorama musical. Eleita em 2001 pela Time como a melhor jovem interprete norte-anericana, com carreira que passou já pela música para cinema e mesmo pelo rock’n’roll (em duas colaborações com os And You Will Know Us By The Trail of Dead), chega ao seu nono disco com um desafio entre mãos: o de tocar o “difícil” Concerto Para Violino de Schoenberg, o qual se revela aqui capaz de dominar. Melhor é, contudo, a interpretação do belíssimo concerto de Sibelius que a violinista escutou pela primeira vez, imagine-se, no intervalo de um jogo de baseball, em Baltimore, ainda bem jovem. Contrariamente ao que costuma ser uma adesão imediata à obra por quem a escuta pela primeira vez, Hilary estranhou-a. Sobretudo o percurso entre extremos que veicula... “Talvez tenha sido do calor do estádio”, recorda num texto incluso no booklet... O mistério perdurou. Mas acaba agora desvendado, numa das suas melhores interpretações em disco de sempre.