quarta-feira, março 05, 2008

Discos da semana, 3 de Março

Há meses que, pela Internet, sobretudo na blogosfera, não se fala de outra banda com o mesmo entusiasmo. Quem gosta aplaude. Quem não gosta, clama que é puro hype... Nada de novo por aí... Os causadores desta maré de entusiasmos chamam-se Vampire Weekend, conheceram-se na Columbia University e asseguram agora mais uma jogada com trunfo em favor da cidade que, desde o início da presente década, retomou o lugar de capital mundial da invenção pop/rock: Nova Iorque. Ainda em 2007 os singles Cape Cod Kwassa Kwassa e, mais ainda, o sublime Mansard Roof serviram de cartão de visita a uma ideia pop revigorante, entusiasmante, mesmo viciante, entretanto reforçada pelo igualmente recomendável A-Punk, lançado já este ano. Agora, Vampire Weekend, o álbum, confirma em pleno as expectativas e reafirma no quarteto nova-iorquino o mais sério candidato ao título de grande revelação do ano. Na raiz do som dos Vampire Weekend mora um evidente conhecimento do legado da new wave. Contudo, a diferença, que justifica os entusiasmos que o disco está a conquistar, afirma-se por uma igualmente franca e clara relação com marcas da pop africana, em particular com sonoridades e ritmos oriundos do Congo e demais regiões musicais do sul do continente negro. Não é por acaso que, como brincadeira, se começou por definir o som dos Vampire Weekend como “upper west side soweto”... A luminosidade e viço da música africana encontra aqui a cultura pop ocidental, um pouco como os Talking Heads nos mostraram em Naked, o seu álbum de despedida em 1988 ou Paul Simon no igualmente marcante Graceland. Neste disco mora ainda um sentido de frescura, de descoberta, de entusiasmo, aparentemente ingénuo, mas pleno de ideias e sentidos, como recordamos idêntico nas estreias em álbum de uns Orange Juice ou Belle & Sebastian. Teclados com sabor a fero velho, guitarras que tecem melodias de festa e uma voz que canta um optimismo que a América quer reencontrar moram num disco que, como poucos, irá marcar a agenda de 2008. Simplesmente incontornável.
Vampire Weekend
“Vampire Weekend”
XL Recordings / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace


O 14º álbum que Nick Cave edita com os Bad Seeds, está a ser um dos mais aclamados entre os discos que já gravou na presente década. Nos últimos anos, o músico tem repartido o seu tempo e verve, estendendo a sua acção da música e da escrita para os terrenos do cinema, onde assinou já o argumento de Escolha Mortal (uma aplicação dos códigos do western aos pioneiros australianos), tendo também já composto duas bandas sonoras, não só para esse “seu” filme como, mais recentemente, para O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford. Dig!!! Lazarus Dig!!! é o segundo álbum de Nick Cave & The Bad Seeds que não conta com a presença de Blixa Bargeld, e exibe o seu primeiro conjunto de canções gravadas depois da edição do álbum dos Grinderman. Esse novo grupo seu foi, de resto, motor de acontecimentos, nomeadamente o retomar de linguagens mais próximas do rock de garagem, que ostentam agora evidente protagonismo no novo disco. Partindo de um antigo fascínio pela figura bíblica de Lázaro, recontextualizando-o na Nova Iorque de hoje e, ao mesmo tempo reflectando sobre o cepticismo de um Harry Houdini, Nick Cave encontrou ponto de partida para um disco onde, na verdade, os temas e narrativas são por vezes mais surpreendentes que a forma final das canções. Novamente inspirado pela matriz dos sons de uma América profunda que há muito o intriga, rico em personagens e situações, Dig!!! Lazarus Dig!!! devolve Nick Cave a um patamar de intensidade dramática, narrativa e musical como há muito nele se não escutava.
Nick Cave & The Bad Seeds
“Dig!!! Lazarus Dig!!!”

Mute / EMI Music Portugal
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Colaborador de Ariel Pink e de Panda Bear, John Maus apresenta em Love Is Real um dos mais curiosos depoimentos de revisão de formas e sons nascidos na pop electrónica de finais de 70 e inícios de 80. Já lhe chamaram “retro-futurista” e, à sua música, “pop electrónica barroca”. Se os rótulos compostos ajudam a traçar um retrato do que a sua obra começa a revelar (após dois aclamados álbuns), na verdade o que mais entusiasma nas canções de John Maus é a forma como expressa palavras de profunda melancolia num cenário de aparente luminosidade definido nas teclas dos sintetizadores. Contrastes um pouco como semelhantes confrontos que em tempos se escutava nos discos dos Associates, Buggles ou Orchestral Manouevers In The Dark. A agenda de preocupações e intenções de John Maus não se esgota contudo em meras operações de nostalgia da música dos dias em que nasceu (mais concretamente no ano de 1980). A voz, que ecoa memórias de um Ian Curtis ou um Scott Walker, é aqui veículo para a projecção de ideias que moram num presente feito de mais angústias que o que à primeira vista poderia parecer. Com um sentido de humor cujos alvos e fins por vezes não são claros, Love Is Real é como uma viagem nocturna pela grande cidade. Como o discurso oficial defende, John Maus tenta aqui encarar demónios interiores e procurar esperança em tempos difíceis. Mas o tom escapista sugerido, o melodismo pop viciante, o apelo rítmico, pode, por outro lado, afogar as intenções de interpretação num palco onde as formas parecem mais claras que os conteúdos. O que não é, aqui, necessariamente, uma má opção.
John Maus
“Love Is Real”

Upset The Rhythm / Sabotage
4 / 5
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Ao quinto volume, a série Kistuné Maison já se afirmou como uma das mais atentas (e, portanto) desejadas fontes de revelação de novos talentos, gravações ou remisturas na linha da frente de uma música de dança que cruza mecânicas electro, atitude punk e, ocasionalmente, melodista alma pop. Depois de, em volumes anteriores, aqui termos descoberto faixas irresistíveis de nomes como os Hot Chip, Au Revoir Simone, Digitalism, The Whip, Whitey ou Darkel (este último um projecto paralelo aos Air), no agora editado quinto volume o protagonismo recai sobre a estreia de uma canção que revela o que será a nova fase de vida criativa dos Fischerspooner. Trata-se de The Best Revenge, um verdadeiro mimo pop com sabor electro que, mesmo distante dos melhores momentos do seu disco de estreia, promete muito mais que o que se escutou no desapontante segundo álbum do grupo nova iorquino. O outro grande instante gourmet deste quinto volume surge escondido depois das 17 faixas anunciadas na capa. Depois de alguns segundos de silêncio, aí encontramos uma curta, mas absolutamente viciante remistura de À Cause des Garçons, da francesa Yelle. O alinhamento inclui ainda uma nova mistura do primeiro single dos The Teenagers, MIA, e uma pequena multidão de surpresas ao nível do que a série nos habituou.
Vários
“Kitsuné Maision – Compilation 5”
Kitsuné / Flur
3 / 5
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É natural que o encontro com um qualquer novo disco de Stephen Malkmus comece pelo reconhecer do peso histórico do principal responsável por uma das mais marcantes bandas da história do indie rock, os Pavement. Real Emotional Trash, o seu novo álbum, representa contudo a mais desinspirada das suas gravações, do seu alinhamento de dez temas transbordando mais uma vontade de ensaiar formas menos definidas, sem perder a noção de canção como meta final, ou seja, de seguir um caminho distinto do que assumiu no anterior, ecléctico e magnífico, Face The Truth (de 2005). Real Emotional Trash é talvez o mais coeso dos álbuns que gravou com os Jicks, mantendo um mesmo rumo, uma mesma personalidade, de fio a pavio, mostrando ser evidente herdeiro de velhas sugestões dos Velvet Underground, de pistas indie rock, mas, igualmente, de eventuais excessos captados no prog menos cativante de 70. É também o disco onde o clima de jam session mais se torna evidente, parecendo por vezes as canções mais ensaios que formas finais. Não o sendo, porém, a esmagadora maioria dos temas revelam-se afinal monótonos, repetitivos, aparentemente desnorteados, acabando muitas das canções deslaçadas em cosmic jams sem destino nem razão. Ocasionalmente há frestas de ordem, como se escuta em Gardenia (a grande canção do álbum), Cold Son ou We Can’t Help You, sendo aí claro que em nada a escrita de Malkmus perdeu alma e viço. Porém, em Real Emotional Trash, escolheu o caminho errado.
Stephen Malkmus & The Jicks
“Real Emotional Trash”

Domino / Edel
2 / 5
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Também esta semana:
Bauhaus, Billy Bragg, OMD (reedição)

Brevemente:
10 de Março: MGMT (ed internacional), The Kills, Young Knives, Vicious 5, Hercules & Love Affair, Stephen Malkmus
17 de Março: Soft Cell (reedição), The Teenagers, Elbow, Rita Redshoes, Rádio Macau
24 de Março: B-52’s, Moby, Guillemots, Beck (reedição), Foals, Elf Power, The Whip, Supergrass,

Março: R.E.M., Faces (reedições), Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, Super Nada, Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?, Cut Copy, Baumer, Joy Division (best of)
Abril: Portishead, Madonna, The Teenagers, Breeders, The Presets, M83, Air (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), Camané, Mesa, OMD (live), Kooks

PS. Os textos sobre Vampire Weekend e a compilação Kistuné Maison são versões editadas de críticas publicadas no suplemento IN, na revista NS. O texto sobre Nick Cave é versão editada, e acrescentada, de um outro publicado no DN