
No domingo, dia 2 de Março, o grande auditório do Barbican Center, em Londres, serviu de cenário a um acontecimento invulgar: a projecção do filme Alexandre Nevski (1938), de Sergei Eisenstein, com acompanhamento de orquestra ao vivo. Sob a direcção da chinesa Xian Zhang, a London Symphony Orchestra (incluindo a mezzo-soprano Anne Stéphany e o London Symphony Chorus) interpretou a exuberante banda sonora de Sergei Prokofiev, emprestando uma nova dimensão espectacular, por assim dizer ritual, a este clássico do cinema soviético.
Clássico historicamente ambíguo, vale a pena lembrar, uma vez que Eisenstein e Prokofiev foram os primeiros a ter a noção dos perigos em que se envolviam. Assim, Alexandre Nevski surgiu numa altura em que o comunismo soviético, sob a direcção de Estaline, tentava mobilizar a população contra a ameaça hitleriana: filmar a luta do povo russo contra os invasores teutónicos, no século XIII, era uma maneira simbólica de apelar àquela mobilização (tanto mais que Estaline pretendia rever-se na figura redentora de Nevski). Mas essa era apenas a dimensão mais óbvia do projecto: o cineasta e o compositor sabiam também que as perseguições estalinistas estavam no auge, condenando muitos dos que perdiam a confiança dos detentores do poder à morte ou ao “desaparecimento”.
O filme é tanto mais fascinante quanto a sua ousadia formal resiste a qualquer redução a um conteúdo meramente “ideológico”. Aliás, a sua história atribulada é bem significativa da sempre difícil “instrumentalização” de um trabalho tão rico: seria o próprio Estaline a proibir a sua exibição, em 1939, quando assinou um pacto de não agressão com Hitler, “libertando-o” dois anos mais tarde quando as tropas nazis invadiram a Rússia.

O efeito é impressionante, tanto mais que a mistura original do filme padece de limitações que, rezam as crónicas, resultaram de um apertado calendário de pós-produção imposto pela máquina de propaganda estalinista. Acima de tudo, a magnífica sessão do Barbican deixou uma curiosa interrogação face ao futuro das imagens cinematográficas (ou, se preferirem, às imagens cinematográficas do futuro). Assim, podemos perguntar: até que ponto a generalização das formas digitais de difusão dos filmes irá contribuir, nas salas escuras, para a criação de novos modelos de sessões?
Filmes musicais com a banda sonora executada ao vivo? Até mesmo filmes “dramáticos” em que o peso da música justifica a sua recriação em palco? São muitas as novas conjugações possíveis. E, para uma ou duas gerações de espectadores, poderão favorecer uma louvável redescoberta do sabor ancestral do cinema. Decididamente, a pequenez do ecrã do telemóvel não basta...