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A caminho dos 25 anos de carreira, KD Lang é a figura maior do firmamento
country (e arredores) dos nossos dias, no feminino. Em si convergem a herança formadora de Patsy Cline, mas também a sensibilidade trágica de uma Peggy Lee e um sentido de eclectismo de uma Joni Mitchell. Desde 2000 entregue à gravação de sucessivos discos de versões (entre os quais a sua declaração de amor ao Canadá em
Hymns Of The 49th Parallel), vincando com todos eles uma pose croon no feminino sem rival, KD Lang entra agora em 2008 com
Watershed, talvez o seu melhor álbum desde o histórico
Ingenue, de 1992. Um disco arrepiantemente pessoal, integralmente escrito, tocado e produzido por si, lembrando assim que a reconhecida grande intérprete é, também, uma espantosa autora e compositora.
Watershed é uma espantosa colecção de canções íntimas, confiantemente reveladoras dos mundos interiores de uma figura ímpar. Como o título indicia, o disco traduz uma noção de “momento decisivo”. Ou seja, antes que fosse tarde, assegura o retomar de uma ligação do eu com o envolvente, os outros, o espaço, o tempo presente. As marcas
country são, apenas, ponto de partida para um álbum onde não faltam ocasionais climas
jazzy, pontual travo
bossa e frequentes brisas de eloquência definidas por magníficos arranjos para cordas. No centro da acção está, todavia, a voz quente e cativante, honesta, sem artifícios, muitas vezes captada em primeiros
takes. Todavia, mais que na elegância das formas,
Watershed recorda-nos que há em KD Lang mais que uma espantosa cantora. Este é um retrato de uma mulher aos 47 anos. Segura de si, das conquistas da sua vida privada e da sua música. (*)
KD Lang
“Watershed”
Nonesuch / Warner
4 / 5Para ouvir:
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É uma das estreias de que mais se fala neste momento. Herdeiros da tradição
art punk (ou seja, de nomes como os The Fall ou Wire e, mais recentemente, Art Brut), os
These New Puritans mostram, no muito esperado álbum de estreia, que não se limitam a fazer da sua música um baralha e volta a dar das suas paixões e referências, optando antes por afirmar-se como uma banda do aqui e do agora, juntando às memórias, assimiladas, elementos colhidos na cultura
hip hop (família Anticon e afins), no
dubstep e mesmo em electrónicas com fins meramente cenográficos.
Beat Pyramid é um manifesto de intenções e, como em muitos discos de estreia, quer mostrar serviço. O aparente excesso de ideias contribui, contudo, para fazer do disco uma viagem de constante descoberta e surpresa, aqui convocando uma admiração por Mark E Smith, ali experimentando artes finais mais texturais, mais à frente descendo à rua e aproximando-se do que poderia ser um encontro entre os The Rakes e Mark Skinner. Angulosa, áspera a alturas, elaborada noutras, todavia sempre optando por services mínimos de maquilhagem, a música dos These New Puritans reinventa o legado do punk para um tempo presente e promete ir longe. Tem consciência rítmica mas, ao invés dos Klaxons, não vive em função de referências apontadas à música de dança. Bela estreia, de uma banda a seguir com atenção.
These New Puritans
“Beat Pyramid”Domino/Edel
3 / 5Para ouvir:
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Natural da Califórnia, admirador quer da expressividade da música de uns Velvet Underground quer da simplicidade narrativa que escutou desde cedo na
folk,
Cass McCombs ganhou um lugar de alguma evidência na cena indie norte-americana nos últimos anos (podendo agradecer ao “efeito” 4AD algumas das atenções que a si chamou).
Dropping The Writ (expressão da gíria política que traduz o instante em que um chefe de governo sugere ao chefe de estado a dissolução do parlamento) representa a sua estreia pela Domino e traduz um momento de mudança na sua música e vida. Regressado à Califórnia nos últimos tempos, onde convocou a estúdio uma série de velhos amigos, entretanto mudado de armas e bagagens para Chicago (no Illinois), Cass McCombs procura neste disco uma identificação mais próxima que nunca das suas referências
folk, não perdendo contudo o contacto com a cultura pop, através de heranças de finais de 60 quando, na ressaca do psicadelismo, se experimentou um regresso a idílios campestres de paz e amor. Eliott Smith mora entre as referências mais claras do disco, sendo evidente, arrepiante mesmo, a sua presença em
Full Moon Of Infinity... Já as citações, mesmo depuradas, a Radiohead, parecem dispensáveis... Nas palavras, que continua a escrever retirando inspiração directa de cenas da sua vida real, projecta novas histórias que vão do fascínio da descoberta à tensão que qualquer um acumula quando deixa o seu interior dominar as visões que nos envolvem. Chamada para
Lionkiller, faixa de abertura, que se destaca da opção folksy que domina o disco, traduzindo ecos de uma etapa
indie rock que Cass McCombs não parece querer esquecer.
Cass McCombs
“Dropping The Wit”
Domino / Edel
3 / 5Para ouvir:
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O sucesso e aclamação de
The Warning, através do qual se afirmava uma nova e saudável abordagem pop à música electrónica, fez dos
Hot Chip um dos nomes mais aguardados da agenda discográfica de 2008. O soberbo aperitivo servido em finais de 2007 com
Ready For The Floor (que será incontornavelmente um dos singles do ano) aumentou a expectativa... Porém, do calibre do single de antecipação esse é o único momento de um álbum, afinal, desapontante.
Made In The Dark é a primeira desilusão do ano. Mostra um indeciso três em um. Ou seja, um alinhamento que ora sugere pompa e circunstância dançável para irresistível consumo na pista de dança (e, aí,
Shake a Fist, com a voz de Todd Rundgren é tema para ter em conta quando chegar a hora das remisturas), ora aponta aos azimutes pop mais esperados, resvalando depois para um inconsequente caldo
chill out feito de baladas
mid tempo. Os temas mais dançáveis vincam mais intensidade e aparentes ponte rumo à memória antiga dos Underworld. Este, todavia, não é o departamento em que os Hot Chip mostram o seu melhor... Se a ideia era a mostrar aquela noção de versatilidade de que se faz um alinhamento de longa duração, conseguiram, todavia a custo de uma qualquer noção de identidade de álbum que essa mesma colecção de canções possa ter. Há, naturalmente, bons momentos em
Made In The Dark. Todavia, depois de um alinhamento criterioso como o exibido no álbum anterior, esperava-se mais. Muito mais...
Hot Chip
“Made In The Dark”DFA Records/ EMI
2 / 5Para ouvir:
MySpaceTambém esta semana:
Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Motown (caixa 9 – 1969), Kitsune Maison (vol 5), Nada Surf, Kronos Quartet (Terry Riley)
Brevemente:11 de Fevereiro: Morrissey (best of), Michael Jackson (reedição), The Kills, One Night Only, Bob Mould, Goldfrapp, Smashing Pumkins (EP), Soft Cell (reedição), Buzzcocks, Durutti Column (reedição), Mind da Gap (best of)
18 de Fevereiro: Nick Cave, The B-52’s, Envelopes, Tegan & Sara, David Fonseca (repackage)
25 de Fevereiro: Vampire Weekend, Rita Redshoes, Boy Kill Boys, Gary Numan (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier, Correcto
Março: MGMT, Bauhaus, Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada, OMD (reedição), Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?
Abril: Portishead, The Teenagers, The Presets, R.E.M., M83
Estas datas são provisórias e podem ser alteradas
(*) Versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS