segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Discos da semana, 4 de Fevereiro

Bradford Cox, vocalista dos Deerhunter, é uma das figuras mais intrigantes da actual cena indie norte-americana. Nas horas vagas, desde há alguns anos, tem experimentado construções distintas das ideias que partilha e transforma em canções na banda, apresentando-as, habitualmente, sob a designação Atlas Sound. Depois de dois relativamente discretos EPs, aproveita a pausa que os Deerhunter impuseram a si mesmos até 2009 para editar um álbum a solo. Let The Blind Lead Those Who Can See But Cannot Feel é o seu primeiro álbum, literalmente, a solo, composto, “tocado”, produzido por si. Claro exemplo do que se convencionou designar por “bedroom music”, o álbum de Atlas Sound é um conjunto de curtas canções que nascem de exercícios de corte e colagem de sons e ideias, aceitando todavia como estrutura formal a canção. Histórias pessoais de melancolia, paixão ou mesmo obsessão (com letras publicadas no inlay, contra o “código” de condutra da editora), algumas vincando a já habitual ambiguidade sexual do músico, nascem sobre manobras para laptop e imaginação. Drone punk ou experimental punk são “rótulos” já aplicados a um disco que, na verdade, traduz uma ideia de liberdade, condicionada apenas por velhos (e visíveis) encantos pelo krautrock, os Stereolab, Sonic Youth ou Steve Reich. Melodias e estranhas texturas cruzam-se, desafiando-nos. E a cada reencontro mergulhamos na teia... Sem nunca, na verdade, saber onde podemos acabar. Certo sendo, apenas, o encantamento que o disco lança sobre quem se rende a esta música...
Atlas Sound
“Let The Blind Lead Those Who Can See But Cannot Feel”

Kranky / Sabotage
4 / 5
Para ouvir: MySpace


A caminho dos 25 anos de carreira, KD Lang é a figura maior do firmamento country (e arredores) dos nossos dias, no feminino. Em si convergem a herança formadora de Patsy Cline, mas também a sensibilidade trágica de uma Peggy Lee e um sentido de eclectismo de uma Joni Mitchell. Desde 2000 entregue à gravação de sucessivos discos de versões (entre os quais a sua declaração de amor ao Canadá em Hymns Of The 49th Parallel), vincando com todos eles uma pose croon no feminino sem rival, KD Lang entra agora em 2008 com Watershed, talvez o seu melhor álbum desde o histórico Ingenue, de 1992. Um disco arrepiantemente pessoal, integralmente escrito, tocado e produzido por si, lembrando assim que a reconhecida grande intérprete é, também, uma espantosa autora e compositora. Watershed é uma espantosa colecção de canções íntimas, confiantemente reveladoras dos mundos interiores de uma figura ímpar. Como o título indicia, o disco traduz uma noção de “momento decisivo”. Ou seja, antes que fosse tarde, assegura o retomar de uma ligação do eu com o envolvente, os outros, o espaço, o tempo presente. As marcas country são, apenas, ponto de partida para um álbum onde não faltam ocasionais climas jazzy, pontual travo bossa e frequentes brisas de eloquência definidas por magníficos arranjos para cordas. No centro da acção está, todavia, a voz quente e cativante, honesta, sem artifícios, muitas vezes captada em primeiros takes. Todavia, mais que na elegância das formas, Watershed recorda-nos que há em KD Lang mais que uma espantosa cantora. Este é um retrato de uma mulher aos 47 anos. Segura de si, das conquistas da sua vida privada e da sua música. (*)
KD Lang
“Watershed”
Nonesuch / Warner
4 / 5
Para ouvir: MySpace


É uma das estreias de que mais se fala neste momento. Herdeiros da tradição art punk (ou seja, de nomes como os The Fall ou Wire e, mais recentemente, Art Brut), os These New Puritans mostram, no muito esperado álbum de estreia, que não se limitam a fazer da sua música um baralha e volta a dar das suas paixões e referências, optando antes por afirmar-se como uma banda do aqui e do agora, juntando às memórias, assimiladas, elementos colhidos na cultura hip hop (família Anticon e afins), no dubstep e mesmo em electrónicas com fins meramente cenográficos. Beat Pyramid é um manifesto de intenções e, como em muitos discos de estreia, quer mostrar serviço. O aparente excesso de ideias contribui, contudo, para fazer do disco uma viagem de constante descoberta e surpresa, aqui convocando uma admiração por Mark E Smith, ali experimentando artes finais mais texturais, mais à frente descendo à rua e aproximando-se do que poderia ser um encontro entre os The Rakes e Mark Skinner. Angulosa, áspera a alturas, elaborada noutras, todavia sempre optando por services mínimos de maquilhagem, a música dos These New Puritans reinventa o legado do punk para um tempo presente e promete ir longe. Tem consciência rítmica mas, ao invés dos Klaxons, não vive em função de referências apontadas à música de dança. Bela estreia, de uma banda a seguir com atenção.
These New Puritans
“Beat Pyramid”

Domino/Edel
3 / 5
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Natural da Califórnia, admirador quer da expressividade da música de uns Velvet Underground quer da simplicidade narrativa que escutou desde cedo na folk, Cass McCombs ganhou um lugar de alguma evidência na cena indie norte-americana nos últimos anos (podendo agradecer ao “efeito” 4AD algumas das atenções que a si chamou). Dropping The Writ (expressão da gíria política que traduz o instante em que um chefe de governo sugere ao chefe de estado a dissolução do parlamento) representa a sua estreia pela Domino e traduz um momento de mudança na sua música e vida. Regressado à Califórnia nos últimos tempos, onde convocou a estúdio uma série de velhos amigos, entretanto mudado de armas e bagagens para Chicago (no Illinois), Cass McCombs procura neste disco uma identificação mais próxima que nunca das suas referências folk, não perdendo contudo o contacto com a cultura pop, através de heranças de finais de 60 quando, na ressaca do psicadelismo, se experimentou um regresso a idílios campestres de paz e amor. Eliott Smith mora entre as referências mais claras do disco, sendo evidente, arrepiante mesmo, a sua presença em Full Moon Of Infinity... Já as citações, mesmo depuradas, a Radiohead, parecem dispensáveis... Nas palavras, que continua a escrever retirando inspiração directa de cenas da sua vida real, projecta novas histórias que vão do fascínio da descoberta à tensão que qualquer um acumula quando deixa o seu interior dominar as visões que nos envolvem. Chamada para Lionkiller, faixa de abertura, que se destaca da opção folksy que domina o disco, traduzindo ecos de uma etapa indie rock que Cass McCombs não parece querer esquecer.
Cass McCombs
“Dropping The Wit”
Domino / Edel
3 / 5
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O sucesso e aclamação de The Warning, através do qual se afirmava uma nova e saudável abordagem pop à música electrónica, fez dos Hot Chip um dos nomes mais aguardados da agenda discográfica de 2008. O soberbo aperitivo servido em finais de 2007 com Ready For The Floor (que será incontornavelmente um dos singles do ano) aumentou a expectativa... Porém, do calibre do single de antecipação esse é o único momento de um álbum, afinal, desapontante. Made In The Dark é a primeira desilusão do ano. Mostra um indeciso três em um. Ou seja, um alinhamento que ora sugere pompa e circunstância dançável para irresistível consumo na pista de dança (e, aí, Shake a Fist, com a voz de Todd Rundgren é tema para ter em conta quando chegar a hora das remisturas), ora aponta aos azimutes pop mais esperados, resvalando depois para um inconsequente caldo chill out feito de baladas mid tempo. Os temas mais dançáveis vincam mais intensidade e aparentes ponte rumo à memória antiga dos Underworld. Este, todavia, não é o departamento em que os Hot Chip mostram o seu melhor... Se a ideia era a mostrar aquela noção de versatilidade de que se faz um alinhamento de longa duração, conseguiram, todavia a custo de uma qualquer noção de identidade de álbum que essa mesma colecção de canções possa ter. Há, naturalmente, bons momentos em Made In The Dark. Todavia, depois de um alinhamento criterioso como o exibido no álbum anterior, esperava-se mais. Muito mais...
Hot Chip
“Made In The Dark”

DFA Records/ EMI
2 / 5
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Também esta semana:
Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Motown (caixa 9 – 1969), Kitsune Maison (vol 5), Nada Surf, Kronos Quartet (Terry Riley)

Brevemente:
11 de Fevereiro: Morrissey (best of), Michael Jackson (reedição), The Kills, One Night Only, Bob Mould, Goldfrapp, Smashing Pumkins (EP), Soft Cell (reedição), Buzzcocks, Durutti Column (reedição), Mind da Gap (best of)
18 de Fevereiro: Nick Cave, The B-52’s, Envelopes, Tegan & Sara, David Fonseca (repackage)
25 de Fevereiro: Vampire Weekend, Rita Redshoes, Boy Kill Boys, Gary Numan (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier, Correcto

Março: MGMT, Bauhaus, Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada, OMD (reedição), Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?
Abril: Portishead, The Teenagers, The Presets, R.E.M., M83

Estas datas são provisórias e podem ser alteradas
(*) Versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS