domingo, fevereiro 17, 2008

BOLA DE BERLIM - 5
Recheio inesperado

A quantidade de críticas negativas, mesmo entre os muitos que ainda não tinham visto o filme, fazia de Filth and Wisdom um dos casos bicudos da 58ª Berlinale. Foi, talvez por isso, bom ter visto o filme ao terceiro visionamento, quando os lençóis de pancada já haviam sovado quanto baste o filme que, mesmo assim, se revelava um dos mais mediáticos do ano... No final da sessão Filth and Wisdom, revelava-se, contudo, bem melhor que o patamar das expectativas sugerido pela maioria das opiniões dos “profissionais” da redução da obra de terceiros a umas quantas linhas de prosa. A estreia de Madonna na realização é, mesmo longe do que dela conhecemos na música, uma experiência segura, com lógica narrativa evidente, ponto de vista observador e, acima de tudo, espaço de projecção de um sentido de humor cortante que conhecemos mais das suas entrevistas que das canções.
Filth and Wisdom é o que poderíamos chamar uma comédia de costumes. Centra as suas atenções num aspirante a estrela rock internacional (interpretado por Eugene Hutz, vocalista dos Gogol Bordello) e nas duas mulheres com quem divide uma casa em Londres, uma delas estudante de dança que se vê obrigada a ganhar libras extra num bar de strip tease, a outra uma filha de família que largou o futuro que lhe era destinado em favor do sonho de colaboração com uma ONG em África, assinalando um compasso de espera antes de partir através do trabalho na farmácia de um indiano, pai de um expressivo (e ruidoso) rancho de filhos. AK, o músico interpretado por Hutz (em certas ocasiões não muito distante do seu “eu” real), sonha com uma carreira de grande projecção para a sua banda. Até que chegue o sucesso, ganha dinheiro com homens que lhe pagam para entrar em jogos de fetichismo, dos que gostam de ser castigados ao jeito dos dias da escola nos tempos da velha senhora, aos que se submetem aos gritos de um chefe de circo... Entre estas figuras Madonna cria uma história que pretende mostrar como na vida, os extremos ("filth" e "wisdom") se cruzam e tocam. Há sinais de alguma ingenuidade narrativa na criação de algumas situações ou personagens (como a do velho professor cego, interpretada por Richard E Grant) e até mesmo na cascata de acontecimentos menos sombrios que prepara o desfecho. Mas Filth and Wisdom está longe de ser um passo em falso, muito menos a desgraça anunciada. A montagem acompanha com segurança o ritmo dos acontecimentos. E os golpes de humor garantem o sal que tempera este retrato que, mesmo de ficção, não ignora marcas da vida dos nossos dias. É impagável uma sequência em que vemos o Erotica de Madonna ser preterido por um disco de Britney Spears... Resta agora saber quando, onde e como poderemos ver este filme em Portugal.