sábado, janeiro 26, 2008

Visões de fé segundo Haydn

Paul McCreesh tem sido um nome em regular evidência nos últimos anos, sobretudo aclamado pela soberba edição de uma gravação das Vésperas de Monteverdi, pela Archiv, em 2006, tendo sido ainda alvo de elogios a sua Missa em Ré menor de Mozart, lançada pela mesma editora. Agora, uma vez mais acompanhado pelo Gabrieli Consort & Players, apresenta-nos uma gravação de uma das mais belas obras corais de sempre, por quase todos reconhecida como a obra-prima de Haydn. Joseph Haydn (1732-1809) dedicou-lhe 18 intensos meses de trabalho, entre 1796 e 1798. Com devoção e ousadia (isto para um veterano então com obra reconhecida na sinfonia, quartetos e sonatas), Haydn encontrou no oratório um novo desafio. O projecto para A Criação deve-se a uma série de visitas a Londres, no início da década de 90 do século XVIII, durante as quais escutou algumas das grandes obras corais de Handel na Abadia de Westminster. Recorde-se que, na época, Handel era visto em Londres como o mestre da “escola antiga” e Haydn uma figura do “moderno”. Mas este último, perante os grandes oratórios de Handel, resolveu voltar a estudar, não para entrar numa competição com essas mesmas obras, mas iniciando o trabalho de preparação que, depois de encontrado um libreto sobre a criação do universo (oferecido durante nova viagem a Londres entre 1794 e 95), conduziria a esta música. A Criação estreou em Viena em 1799, seguindo-se interpretações em diversos outros países (Haydn acompanhou a tradução para outras línguas), tornando-se num verdadeiro acontecimento cultural do seu tempo. A presente edição decorre de uma série de apresentações ao vivo, nas quais McCreesh se fazia já acompanhar pelos solistas que aqui convoca (Sandrine Piau, Mark Padmore, Neal Davies, Peter Harvey e Miah Persson) e pelo Chetam’s Chamber Choir. Nota final para o design espantoso da capa deste lançamento da Archiv, evitando os estafados modelos habituais. Este é o primeiro grande lançamento na área da música clássica de 2008.

Ligeiramente anterior à “aventura” que culminaria n’A Criação, a encomenda para As Últimas Sete Palavras de Cristo na Cruz levou Haydn a compor outra das suas mais notáveis obras de inspiração religiosa. Ei-la numa gravação sob direcção de Jordi Savall, com o seu Le Concert des Nations (natutralmente para o catálogo da Alia Vox). Aqui se recupera a versão orquestral original (uma outra, vocal, foi apresentada em 1801), traduzindo esta a intenção original do compositor quando, vivendo em Cadiz, lhe pediram uma obra instrumental sobre as sete últimas palavras de Cristo na cruz. Uma das mais curiosas características desta edição é a inclusão, no extenso booklet (com tradução portuguesa inclusa) de um texto de José Saramago.