sexta-feira, janeiro 25, 2008

Um monstro na cidade

O cinema de ficção científica tem particular "gosto" em destruir grandes cidades. E Nova Iorque surge destacada na lista das opções. Basta recordarmos Nova Iorque 1997, de John Carpenter, na qual Manhattan virou prisão de alta segurança, O Dia da Independência, de Roland Emmerich, onde a cidade é das primeiras a sofrer o ataque dos alienígenas ou o recente Eu Sou a Lenda, de Francis Lawrence, com a população transformada em zombies por uma mutação surgida do que se pensava ser a cura para o cancro. Nome de Código: Cloverfield começa por nos mostrar uma festa em Manhatan, que está a ser filmada por um vídeo amador. Um tremor e um ruído chegam da rua... As luzes apagam-se por instantes e câmara e seu operador desviam a atenção da festa para o exterior. Enquanto um diabo esfrega um olho vêem-se sob inesperado ataque de um monstro, que em poucas horas deixa a cidade numa pilha de escombros. A câmara acompanha a fuga, o caos, o medo. Como que a documentar para a posteridade aquela noite de terror nas ruas de Manhattan. O filme, no fundo, é a simulação do que poderia estar nessa câmara de vídeo. Sem aparente montagem, sem música. Como se fosse o real...

A ideia é de J.J, Abrams, o criador das séries Lost e Alias. E surgiu por alturas de uma viagem promocional do seu Missão: Impossível III ao Japão. Ao passar por uma loja de brinquedos, pegou num boneco do monstro Godzilla (mítica figura do cinema de ficção científica dos anos 50, que invadia cidades e as deixava em cacos) e pensou: porque não criar um monstro americano? A memória da cabeça, decapitada, da Estátua da Liberdade no cartaz de Nova Iorque 1997 (não usada no filme, apenas nessa imagem promocional) cimentou o conceito. O segredo, depois, foi a chave do sucesso. O filme nasceu longe dos olhares dos media e da fúria de informação da geração Internet, tendo os produtores e o estúdio conseguido rodar cenas de exterior em Coney Island sem aparato visível e, só depois, criar invulgar burburinho antes mesmo do filme ter sido mostrado pela primeira vez. A informação foi revelada em doses limitadas, repetindo estratégias usadas em filmes como O Projecto Blair Witch e Serpentes a Bordo.

Cloverfield é um monster movie que usa a linguagem das câmaras caseiras, os códigos da era SMS e a ansiedade do pós-11 de Setembro como condimentos. Toma um dispositivo de aparente documentário amador como princípio, e consegue manter todo o filme fiel a essa hipotética gravação. Na sequência da festa, recorre a uma banda sonora de fundo (com Spoon, Gorillaz ou Of Montreal) que sugere traços da caracterização dos protagonistas. Figuras que, essencialmente filmadas depois em fuga, não nunca mais que estranhos em luta pela sobrevivência que uma câmara de vídeo acaba por colocar frente aos nossos olhos.
PS. Versão editada de texto publicado no Diário de Notícias