O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, de Andrew Dominik, segundo um romance de Ron Hansen, é uma aposta feliz na revisão crítica da mitologia do western clássico americano — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Jan.), com o título 'Viver e morrer no velho Oeste' >>>
A relação entre Jesse James (Brad Pitt) e Robert Ford (Casey Affleck) tem tanto de infantil como de trágico: o primeiro vive a sua condição de lenda do velho Oeste quase como um assombramento; o segundo contempla no outro uma espécie de ideal redentor, dir-se-ia uma miragem paterna e libertadora. Da sua estranha proximidade nasce o negrume psicológico do filme de Andrew Dominik, de tal modo que, da vulnerabilidade dos rostos ao mais pequeno gesto quotidiano, tudo surge contaminado por uma avassaladora pulsão de morte. Como se James encenasse a sua própria morte e Ford fosse apenas o instrumento humano encarregado de consumar um destino transcendental. O título é o O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, mas também poderia ser: “Vida e morte de um herói condenado”.
Já há algum tempo que o cinema americano não nos dava um western tão desencantado e formalmente tão depurado. Por alguma razão as paisagens (com a marca desse fabuloso director de fotografia que é o inglês Roger Deakins) adquirem uma tão importante função narrativa: já não são espaços de descoberta de novas fronteiras, antes nos expõem uma beleza ideal que tem tanto de sensualidade como de claustrofobia.
Na idade de ouro de Hollywood, isto é, nas décadas de 1930/40, o western foi a antologia de aventuras de uma nação que se contemplava, eufórica e feliz, na sua própria expansão para as terras do Oeste. Essa lógica foi-se decompondo nos anos 60, a partir de certa altura em paralelo com a guerra do Vietname: face aos traumas vividos além-fronteiras, o cinema americano revia a sua própria herança mitológica, interrogando em particular as memórias dos heróis do western. É a época em que autores como Sam Peckinpah (recordemos esse título emblemático de 1969 que é A Quadrilha Selvagem) vão revisitando as convenções do western clássico, desmontando-as de forma implacável. Em boa verdade, tal atitude passa por alguns mestres do classicismo, a começar por John Ford: O Homem que Matou Liberty Valance (1962) é um dos primeiros filmes a questionar as relações entre a realidade crua e as ilusões fabricadas pelas lendas do Oeste.
Mais uma vez, Brad Pitt revela-se uma personalidade decisiva para a concretização de um projecto algo “marginal” no interior da produção americana, assumindo a dupla condição de actor e produtor. Aliás, não seria nenhum escândalo se ele obtivesse aqui a sua primeira nomeação para o Óscar de melhor actor (em 1996 foi nomeado, na categoria de secundário, por 12 Macacos, de Terry Gilliam). Quem parece “obrigatório” na categoria de melhor actor secundário é Casey Affleck: o seu Robert Ford resume toda a ambiguidade afectiva e moral com que estes heróis esquecidos nos voltam a seduzir.
A relação entre Jesse James (Brad Pitt) e Robert Ford (Casey Affleck) tem tanto de infantil como de trágico: o primeiro vive a sua condição de lenda do velho Oeste quase como um assombramento; o segundo contempla no outro uma espécie de ideal redentor, dir-se-ia uma miragem paterna e libertadora. Da sua estranha proximidade nasce o negrume psicológico do filme de Andrew Dominik, de tal modo que, da vulnerabilidade dos rostos ao mais pequeno gesto quotidiano, tudo surge contaminado por uma avassaladora pulsão de morte. Como se James encenasse a sua própria morte e Ford fosse apenas o instrumento humano encarregado de consumar um destino transcendental. O título é o O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, mas também poderia ser: “Vida e morte de um herói condenado”.
Já há algum tempo que o cinema americano não nos dava um western tão desencantado e formalmente tão depurado. Por alguma razão as paisagens (com a marca desse fabuloso director de fotografia que é o inglês Roger Deakins) adquirem uma tão importante função narrativa: já não são espaços de descoberta de novas fronteiras, antes nos expõem uma beleza ideal que tem tanto de sensualidade como de claustrofobia.
Na idade de ouro de Hollywood, isto é, nas décadas de 1930/40, o western foi a antologia de aventuras de uma nação que se contemplava, eufórica e feliz, na sua própria expansão para as terras do Oeste. Essa lógica foi-se decompondo nos anos 60, a partir de certa altura em paralelo com a guerra do Vietname: face aos traumas vividos além-fronteiras, o cinema americano revia a sua própria herança mitológica, interrogando em particular as memórias dos heróis do western. É a época em que autores como Sam Peckinpah (recordemos esse título emblemático de 1969 que é A Quadrilha Selvagem) vão revisitando as convenções do western clássico, desmontando-as de forma implacável. Em boa verdade, tal atitude passa por alguns mestres do classicismo, a começar por John Ford: O Homem que Matou Liberty Valance (1962) é um dos primeiros filmes a questionar as relações entre a realidade crua e as ilusões fabricadas pelas lendas do Oeste.
Mais uma vez, Brad Pitt revela-se uma personalidade decisiva para a concretização de um projecto algo “marginal” no interior da produção americana, assumindo a dupla condição de actor e produtor. Aliás, não seria nenhum escândalo se ele obtivesse aqui a sua primeira nomeação para o Óscar de melhor actor (em 1996 foi nomeado, na categoria de secundário, por 12 Macacos, de Terry Gilliam). Quem parece “obrigatório” na categoria de melhor actor secundário é Casey Affleck: o seu Robert Ford resume toda a ambiguidade afectiva e moral com que estes heróis esquecidos nos voltam a seduzir.