quarta-feira, dezembro 05, 2007

Em conversa: Jean Michel Jarre (2)

Como recorda hoje, à distância de 30 anos, as opções que tomou no processo de composição de Oxygene?
Quando compus Oxygene, tinha a parte dois feita antes de pensar na parte um. E em termos de composição essa é uma boa solução, que deixo mesmo como conselho aos mais jovens músicos. Ou seja, partimos do meio e temos, depois, de inventar um começo. George Lucas fez o mesmo com A Guerra das Estrelas. E quando se inventa, então, esse começo, temos um elemento de surpresa mais forte em mãos. Porque sabemos onde vamos ter, mas quem vai escutar não imagina ainda. Quando começamos pelo princípio estamos, como o ouvinte, sem saber onde vai aquela música dar... Assim temos esse elemento de vantagem. E podemos surpreender. Tudo isto para dizer que a composição de Oxygene é simples, mas longe ingénua. E era diferente de toda a música electrónica da época, talvez sendo essa uma das razões objectivas do seu sucesso. Havia ali algo onde as pessoas se reconheciam se uma forma sensual, emocional, e não apenas intelectual.

O crânio que descobrimos na capa do disco, sob a “pele” do planeta, é outra expressão dessa ideia de humanidade?
Sim, mas ao mesmo tempo esta era uma música que as pessoas associavam muito à ficção científica, ao futuro... Sempre gostei de ficção científica. Gosto do filme de Kubrick, dos livros de Arthur Clarke. Mas esta música não a ligava ao espaço sideral. Esta era, para mim, uma música do espaço vital, do que nos envolve.

Uma música da biosfera?
Exactamente, mais ligada à biosfera que à estratosfera... Ligo muito o meu trabalho às questões do ambiente. Essa relação entre a música e o espaço interessam-me bastante. Daí o facto de fazer concertos ao ar livre. Ao mesmo tempo pensando no planeta, no ambiente, de uma mensagem ecológica não dogmática ou em forma de lições, como muitos artistas às vezes fazem. Pelo contrário, optando por uma mensagem mais subjectiva, mais poética, que me parece mais ser o trajecto do artista. O artista deve passar mensagens do ponto de vista emocional e não dogmático. Oxygene, nesse ponto de vista, é precisamente isso. E o grafismo relaciona-se com essas preocupações, que são ainda actuais.

Deu-lhes continuidade?
Equinoxe, mais tarde, também é algo que alio ao planeta. O concerto que depois dei em La Defense tinha como temática o ambiente e foi, também, uma homenageam as comandante Cousteau. Na Dinamarca dei um, num campo eólico. Em Marrocos outro, integrado no programa Water For Life, das Nações Unidas. Ao longo da minha vida tenho tentado manter uma atitude coerente sobre as questões do ambiente. E Oxygene contribuiu, à sua maneira, para chegar às consciências, de uma forma poética, transversal, emocional, sugerindo essa ideia de respeito e amor pelo planeta.

Surpreendeu-o, há 30 anos, o sucesso de Oxygene?
Sim, totalmente. Até porque todas as editoras tinham recusado aquela música. Estávamos no tempo do disco e do punk. Que música era aquela, perguntavam. Os temas não tinham título... Eram longos e não davam para passar na rádio... Sem single evidente... Era um ovni total face à produção da época. E tinha o nome de um gás... Até a minha mãe dizia que era bizarro ter dado ao disco o nome químico de um gás... E depois aquela capa, com a Terra... Para os ingleses e os americanos o facto de eu ser francês era outro handicap... Mas depois tudo mudou. O disco saiu e as atitudes mudaram. E o que era negativo virou positivo. O facto de ser francês funcionou como exotismo. A Radio 1 inglesa tocou o disco na íntegra. O mesmo aconteceu na rádio francesa. Foi um fenómeno...

O sucesso de Oxygene determinou o caminho que a sua música depois tomou? Exquinoxe e Les Chants Magnetiques parecem continuações de uma mesma demanda...
Equinoxe, sim, sem dúvida. Fazemos um primeiro disco normalmente sob uma inocência total. E talvez por isso os primeiros álbuns são habitualmente tão interessantes. São muitas vezes imbatíveis. Têm uma dose de inocência que não se repete. É como qualquer primeira vez... Além disso neles metemos um pouco de tudo, quase como numa história de vida até então. Depois vem a pressão de quem tem interesse, as expectativas, as responsabilidades... E por vezes podemos cair na armadilha, que é a maior que um artista enfrenta, que é a da renovação, da reinvenção. É uma aldrabice total essa ideia da renovação! Creio que um artista tem uma única coisa a dizer na sua vida. E quando mais rapidamente o compreende, melhor para si... E são os media quem habitualmente insiste, sempre que nos perguntam o que o disco tem de diferente do anterior... Pouca gente tem a coragem de dizer que não há nenhuma. Que é uma outra forma de dizer a mesma coisa. Quando se vê a obra de uns Beatles, um Fellini, um Garcia Márquez, um Salvador Dali, um Mozart, um Miles Davis, no fundo diz sempre o mesmo. Tem uma coerência. Podemos dizer que há períodos, que há uma evolução. Mas no fundo dizem sempre a mesma coisa. Têm um universo que procuram desenvolver e completar. Não saltam de um universo para outro.
(continua)