La Chinoise (1967), de Jean-Luc Godard
Texto publicado no Diário de Notícias (22 Out.), com o título ' Repensando a crise da esquerda europeia' >>> No mercado português do DVD, surgiu um dos grandes clássicos do “cinema político”: La Chinoise (1967), de Jean-Luc Godard, com o título O Maoísta. Muitas vezes apontado como um filme premonitório da crise de Maio 68, La Chinoise é uma visão crua, desencantada e, afinal, profundamente irónica, quase burlesca, de um grupo “maoísta” de estudantes franceses. Com admirável precisão sociológica, Godard retrata o “ar do tempo” e o delírio maniqueísta de muitas palavras de ordem. Ao mesmo tempo, porém, Godard celebra também a simples capacidade de indignação e revolta, isto é, a certeza de que a fealdade do mundo não é um destino, mas algo que, no mínimo, se pode discutir.
São velhas questões. São, sobretudo, questões que relançam novíssimos problemas, em particular no espaço ideológico da esquerda europeia. É essa a constatação brutal e, à sua maneira, didáctica de um livro admirável que acaba de sair em França: Ce Grand Cadavre à la Renverse (ed. Grasset), do filósofo e ensaísta Bernard-Henri Lévy. A expressão do título provém do prefácio que Jean-Paul Sartre escreveu em 1960 para uma reedição de Aden Arabie (1931), de Paul Nizan: podemos traduzi-la por “esse grande cadáver (virado) de costas” e refere-se, muito explicitamente, à esquerda.
Inevitavelmente, Lévy vai ser atacado por tudo e mais alguma coisa, à direita e à esquerda, nem que seja por causa do tipo de camisas que gosta de vestir (não estou a exagerar...). Digamos, então, para simplificar que a esquerda teria interesse em enfrentar as interrogações de alguém que arrisca pensar “o que resta da esquerda”, não separando-se dela, mas reafirmando-se, empenhado e disponível, no interior da sua crise.
Um dos aspectos mais espantosos do livro é que Lévy fala de uma esquerda que existe, antes de tudo o mais, como património de imagens. Que imagens? As de Maio 68, justamente. Mas também, antes, as de André Malraux. Ou do Bangla Desh, que o autor visitou aos vinte e poucos anos. Ou de Portugal, em 1974 (Otelo como “actor barroco e shakespeareano”). Ou ainda as da Bósnia, onde Lévy rodou (com Alain Ferrari) um admirável documentário: Bosna! (1994).
Para Lévy, trata-se de reorganizar todas essas imagens e questionar coisas pouco cómodas e, sobretudo, muito recalcadas. Por exemplo: que significa passar da crítica metódica da administração Bush para a histeria de um anti-americanismo que apenas favorece os inimigos da democracia? Ou ainda: no “confronto” das religiões, como sustentar o rigor político da laicidade, resistindo aos equívocos morais de algumas formas de tolerância?
No fundo, Lévy pergunta tudo aquilo que uma esquerda “generalista” e acomodada não quer perguntar, muito menos enfrentar. Em nome de quê? Do simples poder transformador da história. Resumindo (até onde é possível resumir um fascinante livro de 400 páginas): trata-se de combater “essa ideia idiota, e louca, segundo a qual a história acabou”.
São velhas questões. São, sobretudo, questões que relançam novíssimos problemas, em particular no espaço ideológico da esquerda europeia. É essa a constatação brutal e, à sua maneira, didáctica de um livro admirável que acaba de sair em França: Ce Grand Cadavre à la Renverse (ed. Grasset), do filósofo e ensaísta Bernard-Henri Lévy. A expressão do título provém do prefácio que Jean-Paul Sartre escreveu em 1960 para uma reedição de Aden Arabie (1931), de Paul Nizan: podemos traduzi-la por “esse grande cadáver (virado) de costas” e refere-se, muito explicitamente, à esquerda.
Inevitavelmente, Lévy vai ser atacado por tudo e mais alguma coisa, à direita e à esquerda, nem que seja por causa do tipo de camisas que gosta de vestir (não estou a exagerar...). Digamos, então, para simplificar que a esquerda teria interesse em enfrentar as interrogações de alguém que arrisca pensar “o que resta da esquerda”, não separando-se dela, mas reafirmando-se, empenhado e disponível, no interior da sua crise.
Um dos aspectos mais espantosos do livro é que Lévy fala de uma esquerda que existe, antes de tudo o mais, como património de imagens. Que imagens? As de Maio 68, justamente. Mas também, antes, as de André Malraux. Ou do Bangla Desh, que o autor visitou aos vinte e poucos anos. Ou de Portugal, em 1974 (Otelo como “actor barroco e shakespeareano”). Ou ainda as da Bósnia, onde Lévy rodou (com Alain Ferrari) um admirável documentário: Bosna! (1994).
Para Lévy, trata-se de reorganizar todas essas imagens e questionar coisas pouco cómodas e, sobretudo, muito recalcadas. Por exemplo: que significa passar da crítica metódica da administração Bush para a histeria de um anti-americanismo que apenas favorece os inimigos da democracia? Ou ainda: no “confronto” das religiões, como sustentar o rigor político da laicidade, resistindo aos equívocos morais de algumas formas de tolerância?
No fundo, Lévy pergunta tudo aquilo que uma esquerda “generalista” e acomodada não quer perguntar, muito menos enfrentar. Em nome de quê? Do simples poder transformador da história. Resumindo (até onde é possível resumir um fascinante livro de 400 páginas): trata-se de combater “essa ideia idiota, e louca, segundo a qual a história acabou”.