segunda-feira, outubro 08, 2007

Jornalistas que falam mal

Há algumas semanas (17 de Agosto), na revista de televisão do Diário de Notícias, escrevi sobre a progressiva degradação gramatical dos comentários televisivos sobre futebol. Permito-me evocar aqui essas palavras:

Subitamente, há vozes televisivas contaminadas pelas mais diversas nevroses gramaticais. Claro que as agressões contra a língua portuguesa se tornaram um verdadeiro fenómeno de culto. Afinal de contas, vivemos no país em que, do mais anónimo repórter ao mais encartado político, muito boa gente transformou a subtil expressão que é “à última hora” nessa apoteose de fealdade que é “à última da hora”... Mas agora temos assistido ao lento insinuar de uma nova moda: a dos verbos no infinito, seja qual for o contexto.
O terreno desportivo tem sido particularmente propício a esse novo-riquismo do linguajar. Já conhecíamos algumas das suas manifestações, com destaque para os plurais compulsivos (são muitos os que não se satisfazem em dizer “de qualquer forma”, preferindo exibir o barroquismo tosco de “de qualquer das formas”). Agora, por tudo e por nada, fala-se no infinito. Já não se diz, por exemplo, “vale a pena dizer que foi um jogo vibrante”, mas sim: “Dizer que foi um jogo vibrante”. E logo a seguir: “Lembrar que este jogador esteve lesionado.” Ou ainda: “Reconhecer que foi uma partida equilibrada”.
Vem a propósito perguntar: que fazer? Não se trata, entenda-se, de ironizar sobre os erros a que, falando, todos estamos sujeitos (e aos quais não me pretendo eximir). Trata-se, isso sim, de reagir contra este misto de preguiça mental e pretensiosismo mediático que transforma o disparate em moda e a moda em apoteose de vulgaridade. Afinal de contas, uma voz off correcta defende melhor a língua que todas as reportagens pomposas sobre efemérides de escritores.

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Afinal, é ainda mais grave do que eu pensava: nos últimos dias percebi que este esti-lo "infinito-futebolístico" alas-trou, triunfalmente, ao espaço das rádios. "Então como está a ser o jogo?", pergunta o locutor de serviço. E o repórter res-ponde: "No cômputo geral, dizer que está a ser um jogo..."
Já nem se trata de reparar na banalidade preguiçosa da expressão "no cômputo geral" — de facto, às vezes parece que, face a um jogo, os comentadores desportivos vêem nove de cada dez coisas que acontecem "no cômputo geral...". Trata-se, isso sim, de insistir nas diferenças: uma coisa é o erro a que, quem se expõe publicamente, está sempre sujeito (a minha experiência pessoal diz-me que é sempre desagradável, porventura embaraçoso e equívoco, e que não há maneira de prosseguir a não ser procurando maior precisão); outra coisa ainda são as atribulações naturais — e, por vezes, até saborosas — de um discurso em directo, por assim dizer sem rede; outra coisa, enfim, bem diferente das anteriores é esta promoção do disparate, pelos vistos sancionada pela indiferença (ou apenas pela distracção) de quem tem responsabilidades editoriais. Até prova em contrário, tentar falar bem é um valor pelo qual vale a pena manter um certo grau de exigência. No jornalismo, por exemplo. Falar.