PS. Excerto de texto originalmente publicado no DN
sábado, outubro 06, 2007
Fado bailado
Tal como os anteriores Flamenco (1995) e Tango (1998), também de Carlos Saura, Fados é um filme musical. As vozes que escutamos cantam (raramente falam), podendo o filme ser apreciado como uma sucessão de quadros que contam uma história (da génese às possíveis reinvenções do fado) ou apenas como uma série de momentos musicais que se descobrem como se de um espectáculo encenado se tratasse. Fados começa em África (com o Grupo Kola San Jan e o Transparente de Mariza, mais tarde numa morna de Lura). Escuta logo depois o Brasil, e assim se assinalam teses que identificam nas latitudes mais quentes a possível génese desta canção. Fados é, essencialmente, um conjunto de visões muito pessoais, permitindo-se Carlos Saura a experimentar diálogos com o flamenco (com Mariza em dueto com Miguel Poveda), com a pop e a world music (Lila Downs), com o hip hop (SP & Wilson e NBC). Todavia, também a tradição marca presença. Argentina Santos representa-a. Carlos do Carmo e Camané traduzem depois duas outras gerações distintas, ambas determinantes. E na cena final, numa Casa de Fados (com, entre outros, Vicente da Câmara, Ana Sofia Varela ou Pedro Moutinho), encena-se outra marca de referência do ambiente fadista. As ousadias (e potenciais focos de polémica) de Fados não se ficam apenas pelas abordagens à música. Como em Flamenco e Tango, Saura usa a dança com a mesma importância visual do trabalho cénico e de luz. Em suma Fados é, no plural, o conjunto dos mundos que Saura faz nascer do fado.