terça-feira, outubro 02, 2007

Em conversa: Carlos Saura (1)

A poucos dias da estreia em Portugal do filme Fados (que teve anteestreia na semana passada no Cinema São Jorge, em Lisboa, e já passou pelos festivais de Toronto e San Sebastian, apresentamos a integral de uma entrevista com o realizador espanhol Carlos Saura, originalmente publicada no DN. A image,m que ilustra o post mostra o realizador e o produtor junto dos fadistas e músicos que surgem na recriação do ambiente de uma casa de fados que se vê no filme.

Quando descobriu o fado?
Descobri-o quando ainda era menino. Naquela época Amália Rodrigues era, em Espanha, tão famosa como qualquer outra cantora popular de máxima categoria. Cantávamos canções dela. Lembro-me da Casa Portuguesa... Houve uma época de trocas grandes entre Portugal e Espanha.

Foi ouvindo fado pela vida fora, depois de adulto?
Sim, mas de uma forma pouco ordenada, pouco arrumada. Fui várias vezes a Lisboa, comprei discos. Nunca perdi o contacto. Mas tudo mudou, naturalmente, quando comecei a trabalhar no filme.

Quando Ivan Dias [o produtor] o desafiou para este projecto, qual foi a sua reacção imediata? Era a sucessão ideal para um realizador que já tinha feito filmes como Flamenco ou Tango?
Houve um momento, antes disto tudo, em que tinha já pensado em fazer algo com o fado. Mas foi mesmo isso... Uma coisa do momento, e então sem consequência. Mas quando o Ivan me falou pareceu-me uma ideia muito boa. Disse-lhe logo que sim.

Foi a oportunidade para “arrumar” finalmente o seu conhecimento sobre o fado...
Primeiro o Carlos do Carmo veio a Madrid para falar. Fui a Lisboa para ver os lugares do fado. E depois mandaram-me uma quantidade enorme de livros, de discos. Queria saber sobre o fado e recebi documentação fantástica.

Informação em excesso?
Não sei se era demasiada, porque queria muito saber de tudo... Em casa tenho hoje uma biblioteca completa sobre fado. Livros e discos. O problema foi como fazer uma selecção entre tudo o que recebi. E como tratar ir um pouco mais longe daquilo que é o fado tradicional. O filme procura influências... Foi fascinante fazer essas descobertas.

Acha que os espanhóis conhecem o fado?
Quando se soube que ia fazer um filme sobre o fado logo houve quem me falasse numa ou outra canção... Que devia usar esta ou aquela, porque era bonita... Esse foi a primeira impressão, superficial. Mas vendo em profundidade, pouca gente conhece o fado.

Um realizador português teria feito um filme diferente?
Nem coloco esse problema... E é um problema que só será levantado em Portugal. Aconteceu o mesmo com o Tango. Na Argentina perguntavam porque é que um realizador tem de vir de Espanha para fazer um filme sobre o tango?... Eu sinto-me muito português e integrado na cultura portuguesa e com os meus amigos cantores. Haveria 40 formas de abordar este tema, não tenho dúvidas. A minha forma é um pouco uma continuidade do que fiz nos outros filmes. Continuidade na fotografia, na luz... De uma maneira, desta vez fui até mais longe. Trabalhei mais a fotografia.

Quando esteve em Lisboa a conhecer gentes e locais para preparar o filme quais foram as suas maiores descobertas e revelações?
Descobri muitas coisas que não conhecia. Entre as melhores descobertas estão o Camané e Mariza. São pessoas extraordinárias, com um enorme talento musical. Emocionei-me profundamente quando ouvi o Camané pela primeira vez.
(continua amanhã)