segunda-feira, outubro 29, 2007

Discos da semana, 29 de Outubro

Mais um evidente herdeiro da “escola” Neutral Milk Hotel, o norte-americano John Vanderslice tem vindo a construir uma carreira a solo que, como poucas, sabe juntar a arte da escrita de canções a uma demanda pelas formas finais com que estas se podem apresentar. Alguns talvez se recordem da polémica em tempos gerada pelo seu Bill Gates Must Die (logo na estreia a solo, em 2000)... Muitos conhecem-no mais como o proprietário de um estúdio adoptado por nomes como os Death Cab For Cutie, Okkervil River ou Spoon e até mesmo pelo trabalho de produção que assinou em Gimmie Fiction, destes últimos. Mas, na verdade, a sua obra autoral merece mais destaque que estas afinidades profissionais. Depois de um conjunto de cinco álbuns nos quais explorou, sem evitar nunca a canção de autor, as potencialidades das cenografia lo-fi (electrónicas incluídas), mostra-se, ao sexto disco, inesperadamente despojado. O foco das atenções recai assim sobre um conjunto de canções que, em apenas 38 minutos (o tempo ideal para um álbum), nos confirmam em Vanderslice um magnífico contador de histórias. O seu álbum anterior, Pixel Revolt, era espaço de reflexão concreta das feridas deixadas pelo 11 de Setembro e pelas consequências que os factos desse dia tiveram na vida da América desde então. Sem evitar pontuais incursões pela mesma memória traumática, Emmerald City é, contudo, um disco mais pessoal e, na verdade, quase autobiográfico (as canções compostas durante um processo, frustrado, e ainda não resolvido, de luta pela obtenção de um visto de residência para a sua namorada, uma francesa). A arte de Vanderslice, além do evidente domínio de heranças musicais (que, além dos Neutral Milk Hotel, revelam a presença dos Beatles, Dylan e mesmo Bowie), reside numa rara capacidade em sugerir as histórias, lançar as ideias, e sair delas antes de as tornar óbvias. Um grande disco e a absoluta confirmação de um nome que merece maior visibilidade.
John Vanderslice
“Emmerald City”
Barsuk Records
5/5
Para ouvir: MySpace


Há estatutos que a eficácia do trabalho apresentado justifica. E se há exemplo no actual panorama da música de dança, encontramo-lo na dupla de irmãos belgas David e Stephen Deweale. Ou seja, 2Many DJs em dia de rodar discos ou Soulwax quando sobem, como banda, a um palco. Cedo compreenderam como associar o sentido de novidade e também o valor acrescentado das linguagens rítmicas da música de dança ao tronco histórico do rock’n’roll, à sua energia, às suas canções. Como banda, os Soulwax são o perfeito híbrido destas realidades amalgamadas numa só. Como produtores a quem outros entregam canções para remisturar, aplicam exactamente os mesmos princípios, das suas intervenções sobre terceiros brotando formas finais que, mais que meras intervenções directas sobre elementos escondidos, electrónicas adicionadas ou discursos rítmicos adaptados, são verdadeiros exemplos da mesma atitude híbrida que é a essência da sua personalidade. Ao adicionar fragmentos de música dos Daft Punk a Daft Punk Is Playing In My House, ao conferir verdadeira identidade rave ao Gravity’s Rainbow dos Klaxons, entre muitos outros exemplos, mostram sinais de inteligência e conhecimento ao interferir, ao mudar, ao criar, mais que remisturas, verdadeiras reconstruções. Este álbum, com um título de 101 palavras, mas que para efeitos práticos acabou conhecido como Most Of The Remixes, é disso exemplo. E junta, depois de um primeiro CD de remisturas, a interferência, dos 2Many DJs, num set que junta ao alinhamento momentos de Ladytron, Hot Chip ou Tiga. Soberbo!
Soulwax
“Most Of The Remixes...”
Parlophone / EMI Music Portugal
4/5
Para ouvir: MySpace


Este não é um disco fácil de enfrentar. Não pela música, já que na verdade representa uma espécie de esforço de síntese dos caminhos e referências percorridos por Edwyn Collins, inclusivamente com alusão aos dias dos Orange Juice. Mas porque representa um final feliz para um episódio sombrio. Há dois anos, estava o álbum praticamente gravado, faltando apenas a inevitável etapa de mistura, quando Edwyn Collins deu entrada súbita num hospital londrino na sequência de duas hemorragias cerebrais. O cantor sobreviveu ao acidente e, apesar de não estar ainda fisicamente recuperado em pleno, conseguiu finalmente este ano concluir o disco que deixara à beira do fim. O título, que pode parecer uma alusão ao regresso a casa depois do sucedido, na verdade é antes uma referência ao reencontro com as diversas etapas do seu passado musical que as canções traduzem. Estão aqui as marcas do jovem cantor que, nos Orange Juice, mostrava como um sentido de rejubilante alegria podia morar entre as sombras de um movimento pós-punk essencialmente dado à exploração da condição urbana da vida em finais de 70. Estão aqui as heranças da canção de autor, as memórias de um antigo gosto pelo rhythm’n’blues. E, ao fim de escutado o alinhamento, o ecletismo que afinal sempre habitou a música de Collins. Há canções que parecem ainda rascunhos, que felizmente assim ficaram registadas. E, entre muitos motivos para reencontrar o cantor, em Home Again mora um potencial clássico de rádio: You’ll Never Know (My Love), uma das melhores canções pop, de travo clássico, que o ano nos deu.
Edwyn Collins
“Home Again”

Heavenly / EMI Music Portugal
3/5
Para ouvir: MySpace


Em tempo de pousio depois de editado o álbum Fundamental e concluída a digressão que o levou a palcos de todo o mundo (e lá ficámos de fora, para variar), os Pet Shop Boys dão continuidade à série Disco, através da qual, desde finais de 80, têm registado algumas experiências mais próximas da música de dança. Há uma diferença essencial entre este quarto volume e os três anteriores e que se manifesta ao ler o alinhamento, antes mesmo de escutar. Desta vez, mais que juntar remisturas ou novas versões de temas seus, os Pet Shop Boys apostam desta vez na exposição de trabalhos de intervenção, seus, sobre obras de terceiros. Aqui juntam a muito eficaz remistura de Sorry, de Madonna, a igualmente cativante leitura para Read My Mind dos The Killers e a espantosa colaboração com Bowie em Hallo Spaceboy, assim com as menos vitaminadas aventuras de colaboração com Yoko Ono ou os Rammstein. De absolutamente seu serve-se, apenas a fechar o alinhamento, uma versão máxi do single I’m With Stupid, o primeiro extraído de Fundamental, assim como uma recente nova reestruturação de Integral. Cumpre. Documenta... E venha o próximo...
Pet Shop Boys
“Disco 4”
Parlophone / EMI Music Portugal
3/5
Para saber mais: site oficial
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A solicitação de António Barreto a Rodrigo Leão para que Rodrigo Leão compusesse música original para a série documental Portugal, Um Retrato Social, constituiu por si só um passo diferente do habitual num país onde o cinema e a televisão recorrem mais vezes a música pré-gravada que à composição de originais na hora de pensar nas suas bandas sonoras. A sua edição, agora, em disco, permite a esta música uma segunda vida que, mesmo livre das imagens, não esquecerá a sua memória (porque delas nasceu, delas fala, delas traz experiências). Há muito que tardava o reencontro de Rodrigo Leão com as imagens. Depois de uma experiência, em Um Passo, Outro Passo, e Depois..., de Manuel Mozos (1989), a sua música conheceu outros destinos, sobretudo entre os discos e os palcos. A edição, em 2004, de um álbum com o título Cinema, não escondia desejos e intenções. Que entretanto se concretizaram, este disco representando a primeira materialização dessa vontade finalmente compensada. Musicalmente, a banda sonora de Portugal, Um Retrato Social não representa uma aventura fora de portas na obra de Rodrigo Leão. Sem a carga dramática de grande densidade das composições de Theatrum, sem as vozes que o têm acompanhado nos tempos mais recentes, encontra aqui terreno para dar corpo a ideias que nos últimos discos experimentou em interlúdios instrumentais. No fundo, este é um retrato, não só das imagens da série, mas também da actual personalidade instrumental de Rodrigo Leão. Podia ter-se desafiado um pouco mais. Mas cumpre o pedido.
Rodrigo Leão
"Portugal, Um Retrato Social"

Sony BMG
3/5
Para saber mais: site oficial


Também esta semana:
Ray Davies, Youssou N’Dour, Sex Pistols (vinil) , Mazgani, Libertines (best of)

Brevemente:
5 de Novembro: Sigur Rós (CD + DVD), Boy Kill Boy, Nick Cave (banda sonora), David Byrne, Ladytron (repackage)
12 de Novembro: Susumu Yokota, Rolling Stones (compilação), LCD Soundystem, Raveonettes, Killers, Led Zeppelin (best of)
19 de Novembro: Duran Duran, Daft Punk (live), GNR (reedição), Jorge Palma (reedição), Tantra (reedição), Manuela Moura Guedes (reedição), Sheiks (antologia), Gorillaz (compilação), Live Earth

Novembro: Sex Pistols (singles), Scissor Sisters (DVD), Muse (live), U2 (reedição), Jean Michel Jarre (reedição)
Dezembro: Rufus Wainwright (CD+ DVD ao vivo), Johnny Greenwood

PS. A crítica ao disco de Rodrigo Leão é um excerto de um texto já publicado na revista NS