segunda-feira, outubro 15, 2007

Discos da semana, 15 de Outubro

Há três anos passaram um tanto a leste das atenções. E foi só em 2005, por alturas do lançamento do EP Under Great Trees, que os sons de Tripper, o seu primeiro álbum, chegaram a este canto da Europa, revelando-nos uma das mais espantosas peças de filigrana musical da década e, com ela, os Efterklang. Passaram mais dois anos e, neste 2007, meses volvidos sobre novo EP, eis que finalmente entra em cena outro álbum que, como o primeiro, consegue a rara proeza de deixar qualquer ouvinte surpreso. Se o minimalismo digital de Tripper era então palco para a contemplação do detalhe, íntimo, fechado, Parades, pelo contrário, é um disco aberto, cheio, intenso, grandioso. Uma verdadeira peça de sinfonismo reinventado para as ferramentas e linguagens de uma música que descende, mesmo sobejamente transformada, de genéticas que a cultura popular já experimentou. Há quem aqui goste de encontrar ecos do velho rock progressivo... Há também quem goste de colocar os Efterklang como membros de nova geração sob escola pós-rock... Na verdade, mais que uma ou outra designação, Parades revela antes uma aventura ousada mundo ainda sem donos nem nome. Está até mais próximo de algumas experiências da música contemporânea de finais do século XX que das lógicas de construção e moldagem das derivações da pop (se bem que sejam ainda visíveis estruturas que ligamos à história anterior do grupo e formas associáveis a alguns dos caminhos que a música electrónica, popular, mais textural e contemplativa correu nos últimos anos). Os coros que habitam em muitas das composições e a sua relação com os arranjos para uma orquestra onde dominam cordas e metais são herdeiros das obras vocais de Steve Reich e, sobretudo, John Adams. Importante na estruturação das composições (que ora fogem à estrutura clássica da canção, ora a aceitam como ponto de partida, como é evidente em Maison de Reflexion) é ainda uma relação não metronómica com a percussão, empregue não para suster o edifício de sons pela solidez de uma matriz geométrica, mas plena de uma intenção dramática, teatral, que sublinha o jogo de contrastes e tons que Parades exibe. Mais um disco para, juntamente com os de Final Fantasy, esbater o que ainda reata da noção de fronteira entre músicas nesta idade da comunicação global.
Efterklang
“Parades”
Leaf / Flur
4/5
Para ouvir: MySpace


Diversas razões poderão explicar porque é hoje Adriano Correia de Oliveira uma voz praticamente não escutada, por muitos inclusivamente ignorada. Destino inglório (e injusto) para uma das mais importantes figuras da canção política portuguesa nos anos 60 e 70, um dos mais activos participantes no processo de reinvenção da canção de Coimbra e uma dos cantores que mais e melhor deu voz a grandes poetas deste país... Fica a discussão para outro dia, certo sendo que parte da responsabilidade deste silêncio de deve ao “silenciamento” a que politicamente foi votado em inícios de 80, pouco antes da sua morte, por alguns dos seus velhos “companheiros de luta” (leia-se PC, que 25 anos depois o resolveu reclamar, este ano, em plena festa do Avante!)... Para quebrar o silêncio, e de certa maneira trazer a memória de Adriano ao mundo dos que hoje fazem e ouvem música, eis que em cena entra o tributo Adriano – Aqui e Agora. E convém dizer antes de mais que, depois de Filhos da Madrugada (homenagem a José Afonso em 1994), finalmente vemos entre nós um tributo feito de contribuições plenas de sentido e não apenas uma soma de versões, umas melhores, outras nem por isso... O sucesso da operação em parte cabe à inteligente escolha de vozes convidadas (responsabilidade de Henrique Amaro) e, depois, à feliz escolha de repertório e sua condigna reapropriação pelos envolvidos. A esmagadora maioria das versões demonstra interessantes fenómenos de redescoberta com final feliz. Ana Deus, acompanhada pelos Dead Combo, assina a pérola do disco numa soberba nova leitura da Trova do vento Que Passa. Igualmente merecedoras dos maiores elogios são as leituras de Para Rosalia, de Vicente Palma, Fala do Homem Nascido de Nuno Prata, Cantar Para Um Pastor de Raquel Tavares e Menina dos Olhos Tristes, de Valete.
Vários
“Adriano – Aqui e Agora”

Movieplay
4/5


Há muito que não se falava tanto sobre um disco. Mas, mais que a música, na ordem do dia estava a forma como os Radiohead resolveram colocar o novo álbum à disposição de quem o quisesse na Internet, cabendo a cada "comprador" a decisão sobre quanto estaria disposto a pagar por estas novas canções. Mas agora, verificado o sucesso da operação, é chegada a hora de falar... das canções. E eis que, depois dos elogios, merecidos, a uma das mais inteligentes operações faça-você-mesmo nesta idade de mudança de paradigma no mercado da música, acabamos por reconhecer que a inteligência dos Radiohead defendeu, não só a sua visibilidade mesmo sem contrato editorial, como também um disco claramente menor que outros que nos deram no passado. É certo que In Rainbows é um disco interessante, e sem dúvida muito mais recomendável que a maioria da oferta indie (departamento filão "novo rock" de ouvidos ainda postos nas memórias do pós-punk) que o ano tem revelado. Mas, quando por referências um grupo tem monumentos como The Bends (1995) e OK Computer (1997) e manifestos de renovação e ousadia como Kid A (2000) ou Amnesiac (2001), a bitola das expectativas aponta bem acima da média... In Rainbows, mesmo mais cativante que o inconsequente Hail To The Thief (2003), mostra um grupo ainda sem caminho definido depois de vividos os feitos acima citados. Por um lado recupera a abordagem mais "clássica" dos dias de 90 em Weird Fishes/Arpeggi e Faust Arp. Por outro, em Nude ou Reckoner, segue as revelações pós-Kid A. De certa forma In Rainbows pode, afinal, ser apenas o disco de transição que Hail To The Thief não soube ser. E sugere real sentido de descoberta em House Of Cards, canção que parece apontar ao que poderia ser a sucessão de OK Computer que nunca existiu. A cada audição gera-se conforto e o disco ganha forma. Todavia, e apesar de alguns belos momentos (Nude, Faust Arp e House of Cards são peças da melhor arte pop), faltam "as" grandes canções que os Radiohead já souberam fazer. Estão cá os ambientes, as texturas que estranham e depois entranham, as obsessões estilísticas já familiares, as reinvenções sedutoras de velhas marcas prog, melancolia inspiradora... Mas não há grandes canções. E aí mora o ponto fraco de um disco mediano, assinado por um grupo de excepção.
Radiohead
“In Rainbows”

www.inrainbows.com
3/5
Para saber mais: site oficial


Passaram 14 anos desde o instante em que o álbum de estreia dos Underworld, Dubnobasswithmyheadman os inscreveu na primeira linha da história da música de dança. O sucesso, pouco depois, do single Born Slippy, elevou-os a um outro patamar de atenções e, durante os restantes dias da década de 90, acabaram transformados num dos mais bem sucedidos grupos de música electrónica, com lugar em palcos de festivais, festas com cerveja a rodos e sucessivas entradas nas tabelas de vendas... O tempo avançou, a música dos Underworld nem por isso, o DJ Darren Emerson afastou-se da banda e, há cerca de cinco anos, o duo Karl Hyde + Rick Smith compreendeu que tinha de reinventar a sua música. Um primeiro álbum a dois, A Hundred Days Off (2002) deixava indícios no ar. Mas só agora, com Oblivion With Bells, compreendemos onde queriam chegar. Por um lado, e a capa é disso mesmo um primeiro indício, assinala-se uma vontade de assinalar um reposicionar da banda na face menos brilhante da música de dança, de certa maneira recuperando a intensidade mais sombria que se escutara em Dubnobasswithmyheadman. Por outro lado, e depois de definitivamente digerida a “escola” Born Slippy, eis que reencontram a canção de uma forma talvez mais clássica, mas nem por isso menos interessante. E dois dos melhores momentos deste álbum representam, exactamente, essa nova busca de identidade na canção, em Ring Road digerendo elementos formais do hip hop na sua estrutura, em Boy Boy Boy piscando o olho à cultura rock’n’roll (e contando com Larry Mullen Jr na bateria). O álbum ora cita Brian Eno, ora os New Order e também a memória antiga dos próprios Underworld. Longe da intensidade que enchia as pistas de dança, Oblivion With Bells é antes um disco de ressaca para a manhã seguinte. A milhas do melhor que as electrónicas nos estão a revelar em 2007. Mas melhor que o que se esperava de uma banda que há muito perdera o Norte...
Underworld
“Oblivion With Stars”
Smyth Hyde / Edel
3/5
Para ouvir: MySpace


E pronto, não houve surpresa. Confirmando o verdadeiro tufão de equívocos (e preguiça) que caracterizou as segundas etapas nas carreiras das bandas que há dois ou três anos anunciavam a redescoberta do pós-punk como fonte revilatilzadora de uma pulsão dançável no rock, os She Wants Revenge estampam-se a toda a largura num segundo e medíocre álbum de originais. O primeiro disco, há dois anos, mostrava uma das mais sólidas abordagens a formas e linguagens de finais de 70 e início de 80, recuperando memórias e sons de velhos discos do pós-punk mais sombrio (The Cure, Depeche Mode, Joy Division) para construir novas e belas canções. Canções que, mesmo feitas de ingredientes vintage, sabiam a um presente que, como tantos outros antes e alguns mais depois, se faz por vezes da reinvenção do que já fomos e escutámos. Com idade para, na década de 80, ter já vivido com atenção estes fenómenos, os She Wants Revenge assinaram uma festa de nostalgia com propriedade, sobriedade e, diga-se, algumas magníficas canções. Agora, dois anos, depois, mantém-se a profundidade dramática da voz de Justin Warfield, a mesma paleta de referências retro... Mas nas canções não há sequer vestígios de um Tear Us Apart, um These Things ou I Don’t Wanna Fall In Love... O disco é uma lenga-lenga lugares comuns do indie de pacote em que se transformou este “filão” e, apesar de revelar competência instrumental, não mostra feitos na composição salvo em pontuais episódios (Written in Blood, é um deles). Trouxeram os temperos. Esqueceram-se dos ingredientes... Como os The Killers, os Bravery, valente equívoco à segunda tentativa. Arquivar na pasta “já era”...
She Wants Revenge
“This Is Forever”

Flawless / Universal
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Pet Shop Boys, Ed Harcourt, Fiery Furnaces, The Hives, Roisin Murphy, Undertones, Marc Bolan (BBC sessions), Carter USM (best of), Vashty Bunyan (antologia), Susumu Yokota

Brevemente:
22 de Outubro: Dave Gahan, Soulwax (remixes), Lilac Time, To Rocco Rot, Van Morrison (best of), Flaming Lips (DVD), Teddy Thompson, R.E.M. (ao vivo), Teresa Salgueiro, Stevie Wonder (best of), Ian Brown, Steve Jansen
29 de Outubro: Rodrigo Leão, Bob Dylan (DVD), Ray Davies, Youssou N’Dour, Sex Pistols, Mazgani, Libertines (best of)
5 de Novembro: Sigur Rós (CD + DVD), Gorillaz (compilação), Boy Kill Boy

Novembro: Duran Duran, Sex Pistols (singles), Led Zeppelin (best of), Scissor Sisters (DVD), LCD Soundystem, Rolling Stones (compilação), Daft Punk (live), Muse (live), Tributo aos Mão Morta

PS. A crítica a In Rainbows, dos Radiohead, é um texto originalmente publicado no DN