Não era raro um compositor pensar ou dedicar uma nova obra em função daquele que poderia ser o intérprete, ou solista, da sua primeira interpretação. E as duas peças de
Beethoven (1770-1827) que encontramos neste disco são disso um exemplo. A primeira, de resto, um uma outra história a si associada e que mostra como, por vezes, era preciso trabalhar contra os ponteiros do relógio. Dedicada (e atribuída na sua noite de estreia) ao jovem prodígio Franz Clement (1780-1842), o
Concerto para Violino e Orquestra Op. 61, de Beethoven começou a nascer apenas dez dias antes da sua primeira apresentação, a 23 de Dezembro de 1806, integrada num programa que incluía ainda, pelo mesmo violinista, obras de Mozart, Cherubini e Handel. O trabalho do compositor foi fulminante, mas sob pressão e a partitura entregue tão em cima da hora que, sem ensaio possível, Clement interpretou a obra à vista, descobrindo as notas ao mesmo tempo que as tocava... A obra não impressionou tanto quanto a sua interpretação, tendo Beethoven reescrito partes, apresentando uma versão final dois anos depois. Todavia, e apesar de estreada por um virtuoso, o concerto de Beethoven é, mais que um convite a uma exposição de talento interpretativo, um diálogo entre o solista e a orquestra. E, hoje, uma das suas obras de referência. O disco inclui ainda a
Kreutzer Sonata, que, apesar de hoje conhecida e registada em nome de Rodolphe Kreutzer (um dos virtuosos do seu tempo), na verdade se crê ter sido pensada pelo compositor para o violinista britânico George Polgreen Bridgetower, que na verdade a estreou, em 1803. Nesta magnífica gravação agora editada pela Harmonia Mundi, são solistas
Isabelle Faust (violino) e Alexander Melnikov (Piano), acompanhados pela Prague Philarmonia, sob direcção de Jiri Belohlavek.
Outros dois discos com obras de Beethoven chegaram, entretanto, aos escaparates, merecendo toda a atenção. Em primeiro lugar, um segundo volume de gravações de
Sonatas para Piano, por
Mitsuko Uchida. Depois de um primeiro, sublime, editado há um ano (com as sonatas Op. 109, 110 e 111), Uchida mostra igual sentido interpretativo nas Op. 101 e 106. Beethoven ganha nova vida nestas interpretações, que prometem fazer do ciclo em produção um conjunto tão marcante quanto o foi semelhante recente trabalho sobre a obra de Schubert. E um complemento aos cinco concertos para piano e orquestra que a mesma pianista já registou para a Philips, com a Toyal Concertgebow Orchestra, de Amsterdão.
A mesma
Sonata para Piano op. 101 (frquentemente citada como uma das com maior repercussão posterior) surge a completar o alinhamento do mais recente disco da pianista francesa
Hélène Grimaud, uma das estrelas em ascensão no actual catálogo da Deutsche Grammophon. O disco é todavia centrado no monumental
Concerto para Piano Nº 5 (habitualmente citado como “Imperador”), no qual Grimaud é solista frente à Staatskapelle Desden, dirigida por Vladimir Jurowski. Grimaud, falando do sentido de heroísmo que este concerto sugere, chegou já a afirmar que, para si, os verdadeiros heróis são aqueles que tentam trazer ordem ao mundo. E que se mudam pelo bem do mundo. Um sentido que a sua abordagem a esta obra, de facto, sublinha.