Este texto foi publicado no Diário de Notí-cias (11 de Setembro), com o título 'Como viver em "histeria mediática"?' >>> Estranho mundo este em que vivemos. A proliferação de canais de informação dá-nos acesso (permanente e instan-tâneo) a uma espécie de planetária base de dados; ao mesmo tempo, por vezes, isso tende a produzir um delírio para o qual poderemos inventar uma designação que combine a herança psicanalítica com as ciências da comunicação: qualquer coisa como “histeria mediática”.
Repare-se: não se pretende banalizar nenhum facto, a começar pelo trágico desaparecimento de uma criança. Do mesmo modo, importa não minimizar a importância moral e o valor público de uma comunicação social empenhada em conhecer e analisar todas as frentes de um problema que, claramente, afecta o funcionamento da colectividade.
Em todo o caso, por mera profilaxia pedagógica, importa interrogar alguns modos de abordagem do caso Madeleine. São modos sobretudo televisivos e apostam em valores demagógicos, ideologicamente próximos do “Big Brother” (não o de Orwell, mas o da Endemol). O seu primeiro e decisivo princípio resulta da fabricação de uma ficção pueril, alicerçada num processo gratuito de identificação: somos convocados para acompanhar os destinos individuais como se pudéssemos ser espectadores privilegiados das suas convulsões.
É esse o limite mais gravoso a que têm conduzido algumas abordagens do desaparecimento de Madeleine McCann. A saber: ao espectador é sugerido que pode funcionar como “deus ex machina”, automaticamente acedendo à intimidade seja de quem for, possuindo os instrumentos para funcionar como juiz intocável de todos os males do mundo.
Até certo ponto, há aqui algo do suspense de Alfred Hitchcock. Recorde-se, por exemplo, o seu filme de 1948, A Corda, onde pacientemente se desmonta um terrível processo de culpa (é, aliás, por cruel ironia, um filme sobre um corpo desaparecido). Mas há uma diferença que está longe de ser secundária. A máquina “hitchcockiana” de ficção confronta o público com as suas próprias responsabilidades morais. Para Hitchcock, o espectador, ao interpretar as contradições do mundo, deve ser adulto. As televisões, com frequência, preferem infantilizar o espectador.
Repare-se: não se pretende banalizar nenhum facto, a começar pelo trágico desaparecimento de uma criança. Do mesmo modo, importa não minimizar a importância moral e o valor público de uma comunicação social empenhada em conhecer e analisar todas as frentes de um problema que, claramente, afecta o funcionamento da colectividade.
Em todo o caso, por mera profilaxia pedagógica, importa interrogar alguns modos de abordagem do caso Madeleine. São modos sobretudo televisivos e apostam em valores demagógicos, ideologicamente próximos do “Big Brother” (não o de Orwell, mas o da Endemol). O seu primeiro e decisivo princípio resulta da fabricação de uma ficção pueril, alicerçada num processo gratuito de identificação: somos convocados para acompanhar os destinos individuais como se pudéssemos ser espectadores privilegiados das suas convulsões.
É esse o limite mais gravoso a que têm conduzido algumas abordagens do desaparecimento de Madeleine McCann. A saber: ao espectador é sugerido que pode funcionar como “deus ex machina”, automaticamente acedendo à intimidade seja de quem for, possuindo os instrumentos para funcionar como juiz intocável de todos os males do mundo.
Até certo ponto, há aqui algo do suspense de Alfred Hitchcock. Recorde-se, por exemplo, o seu filme de 1948, A Corda, onde pacientemente se desmonta um terrível processo de culpa (é, aliás, por cruel ironia, um filme sobre um corpo desaparecido). Mas há uma diferença que está longe de ser secundária. A máquina “hitchcockiana” de ficção confronta o público com as suas próprias responsabilidades morais. Para Hitchcock, o espectador, ao interpretar as contradições do mundo, deve ser adulto. As televisões, com frequência, preferem infantilizar o espectador.
A Corda (1948), de Alfred Hitchcock