O inesperado conceptualismo de Drum’s Not Dead, do ano passado, fez muito boa gente suspeitar de um inesperado desvio de rumo para um percurso que, anos antes, era dado (e o álbum de estreia justificava-o) como um dos mais visionários da geração dance punk nova iorquina da década 00. O novo álbum, simplesmente intitulado Liars, vem repor rotas primordiais em cena, mas sem vontade em repetir caminhos. E mostra que, o mais espantoso momento de génio de Drum’s Not Dead (a longa faixa de encerramento The Other Side of Mt. Heart Attack) pode até ser visito como possível ponte de ligação a momentos mais contemplativos e texturalmente elaborados deste novo disco. Gravado entre Berlim e Los Angeles, Liars foge ao racionalismo de Drum’s Not Dead e procura saciar necessidades mais imediatas, mostrando ao mesmo tempo uma capacidade de gestão mais cuidada das fontes de som e ruído que convocam. Tal como fomos acompanhando ao longo do percurso de uns Animal Collective, também por aqui há sinais de progressiva arrumação de antigas torrentes de ideias, a canção mostrando-se como meta, mais clara, não necessariamente directa nem mesmo polida. Muito menos convcencional. Ao contrário da fileira que entretanto esgotou a capacidade do filão pós-punk, os Liars mantém-se mais fiéis às ideias que aos sons e formas dessa determinante memória musical que quase soma 30 anos. Com saudáveis solavancos de surpresa, o álbum leva-nos por caminhos de descoberta, de invenção do que pode ser a linha da frente de um rock híbrido feito da assmilação do funk, punk e kraut, urgência e hipnotismo, melodia e cenografia, ou demais ingredientes desafiados a comparecer. Falta-lhe o sentido de arte final e um dom na escrita que no ano passado encontrámos nuns TV On The Radio e este ano vamos reencontrar nos Animal Collective. Mas Liars é um dos mais revigorantes e desafiantes entre os discos pop/rock que vamos escutar nesta recta final de 2007.
Liars
“Liars”
Mute/EMI Music Portugal
4/5
Para ouvir: MySpace
Os The Thrills são uma banda da década 00 do século XXI com olhos e, sobretudo, ouvidos colados à pop da década de 60 do século XX. O gosto já lhes devia estar incutido nas meninges. Mas quando, ao trabalhar no seu álbum de estreia, se viram por alguns dias numa praia em San Diego, em pleno Verão, tudo deve ter feito sentido, perdendo o grupo a vergonha (e porquê tê-la, é verdade) em assumir os Beach Boys como principal referência, mais tarde citando também Neil Young como outra grande força inspiradora. Antecedido pelo single Nothing Changes Around Here, surge agora um álbum que parece tomar essa mesma ideia que o título da canção veicula como princípio de trabalho. Na verdade, não devemos ser severos com uma banda apenas por esta não querer ser mais que aquilo que já ou que aquilo que os que admira já foram. Nem todos pregam revolução a cada 15 dias... E, na verdade, para quê mudar uma música enraizada numa genética que podemos tomar já como clássica, servindo estas canções não necessariamente uma sede de nostalgia (as reedições não faltam nos escapareates), mas a construção de um som mais conservador, que promove renovados encontros com linguagens que são de referência e de códigos claros e acessíveis? Se a isto juntarmos uma real capacidade na escrita de canções encontramos Teenager, terceiro álbum que não procura mudar nada, antes servir mais canções com sabor a Sol e mar, com um tempero que traduz uma sensação de conforto já conhecido. Na verdade, há mais verdade nestas canções de “manutenção” de velhos códigos que em muitas novidades pop que hoje inundam as tabelas de venda com novidade que dura uma semana, antes do inevitável esquecimento. Aqui sonha-se a Califórnia à distância de meio mundo e de 40 anos de história. Porque não?
The Thrills
“Teenager”
Virgin/EMI Music Portugal
3/5
Para ouvir: MySpace
Entre a multidão de nomes e projectos que nos últimos anos têm reinventado o gosto pelas genéticas da folk, destaca-se uma família mais inventiva que não se limita a reciclar ou recordas mas, antes, a recontextualizar e partir para novas visões. Das CocoRosie ao colectivo Ill Lit, um mundo de novas possibilidaes abre-se, convidando a colaboração de novos instrumentos, novas modalidades texturais, novas tonaliudades. Soy Un Caballo é mais um nome a juntar a esta grande família. São um duo belga, juntando o baterista dos extintos Vénus à voz de Aurelie Muller (Melon Galia, Raymondo, Hank Harry). Grupo novo, vida nova... E assim aconteceu. Começaram por dar sinais de vida em 2005, anunciando o nascimento do projecto I’m A Horse. Sem som, sem nada que não uma manifestação de intenções. Numa segunda etapa, online, revalam imagens de um cavalo bicéfalo... E nada de canções ainda... E só depois de se transformar em Soy Un Caballo, mostram que som é o seu em três vídeos e temas no MySpace. Gravam então um primeiro álbum, misturado em Londres por Sean O’Hara (dos High Llamas) e no qual se destacam algumas colaborações, a mais mediática das quais sendo a de William Oldham. Assim nasce Les Heures de Raison que, apesar do título racionalista, mais parece coisa do foro do sonho, da emoção. Este é um disco de canções íntimas, elegantes, delicadas. A voz e as cordas de uma guitarra conduzem os acontecimentos, mas determinante na construção do todo são as discretas presenças de electrónicas, xilofones e demais elementos que criam, à volta das canções, uma teia de mistério que convida a neles nos perdermos. Para gostos tranquilos, um pequeno mundo de mistérios e maravilhas a descobrir.
Soy Un Caballo
“Les Heures de Raison”
Matamore/Ananana
3/5
Para ouvir: MySpace
Quando anunciaram a edição de Twilight Of The Innocents, o seu sexto álbum, os Ash revelaram que este seria o seu último álbum. Não porque projectem para breve a sua separação, mas porque doravante pretendem reduzir a sua produção discográfica ao formato de single. A ideia não podia ser melhor, revelando da parte da banda oriunda da Irlanda do Norte um sentido de auto-crítica invulgar e saudável. E porquê? Porque, desde a edição do notável 1977, em 1996, nunca mais um álbum dos Ash foi coisa memorável, uma ou outra canção ocasionalmente justificando atenção. Twilight Of The Innocent, apesar das marcas de profissionalismo que ostenta, não foge à regra. Há muito que a pulsão punk primordial que antes animava o grupo deu lugar a um som pop/rock musculado, com sonhos evidentes de sofisticação ma non troppo, nada que não estejamos já habituados no campeonato brit de segunda linha. As canções sucedem-se sem surpresa, guitarras a fugir por vezes para o indício de solo (que felizmente não se concretiza), arranjos por vezes de pompa despropositada como em Polaris, onde mais parecem a dada altura uns Simple Minds na sua insuportável fase de estádio, em meados de 80 ou em End Of The World, tema com a condimentação pop para canto colectivo à inglesa que foi chão que já deu uva. Voltaram a ser um trio, dizem-se entusiasmados com o futuro na forma de single... Ainda bem, porque como autores de um álbum tão inconsequente como este não têm grandes motivos para fazer a festa.
Ash
“Twilight of the Innocents”
Infectious/Warner
1/5
Para ouvir: MySpace
A edição, em 2002, do intrigante Los Ultimos Dias Del AM revelou a existência de uma nova identidade musical característica da era digital junto de países cuja expressão exportável habitualmente estava confinada aos domínios do tradicional, sob rótulo world music. O disco apresentava ao mundo a música criada a solo pelo guatmalteco Juan Carlos Barrios, entretanto de malas aviadas para nova vida em Espanha. Cinco anos depois, não é mais mistério a nova música electrónica de origem latino-americana, que vai da contemplação minimalista e microscópica de um Murcof ao festim cut and paste do Mexican Institute of Sound. Pequeño Transístor de Feria já não chega, portanto, com sabor a novidade exótica, antes como parte de um mundo cujos códigos e discografias a Europa já começa a conhecer. Todavia, este é um disco bem diferente do que o mesmo projecto Radio Zumbido nos mostrou há cinco anos. Integralmente instrumental, junta peças gravadas para um documentário destinado a mostrar “as paisagens e sons dessa caótica cidade que é Los Angeles” e a estas acrescenta outras mais, entre todas procurando um sentido de unidade formal. Mais descritivo que narrativo, mais textural que melodista, Pequeño Transístor de Feria usa alguns instrumentos reais e gravações de rua in loco, mas vive essencialmente do corte e colagem de elementos rítmicos e de texturas sugeridas. Não se trata de música ambiental, mas poucas vezes descola de um patamar de alcatifa de intenções. Bem elaborado, cauteloso na construção, mas musicalmente pouco estimulante.
Radio Zumbido
“Pequeño Transístor de Feria”
Q’Mass
2/5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
Hard Fi, Blue States, Luke Vibert, They Might Be Giants, Joseph Arthur, Elvis Presley (reedições)
Brevemente:
10 de Setembro: Animal Collective, Go! Team, Siouxsie Sioux, R Villalobos, Gravenhurst, Dot Allison, Kanye West, Sgt Pepperes (Tributo)
17 de Setembro: Thurston Moore, Edwin Collins, The Grid, Lou Rhodes, Murcof, Simon & Garfunkel (Live 1969). Manu Chao, Turin Brakes, David Bowie (reedição), Dead Or Alive (reedição), Debbie Harry
24 de Setembro: PJ Harvey, Devendra Banhart, Fados (banda sonora), Ian Brown, Múm, Pet Shop Boys, Scott Walker, Joni Mitchell
Setembro: Lambchop, Mazgani, Joe Henry, Broken Social Scene, Siouxsie, U2 (DVD), Gorky’s Zygotic Mynci, Frank Black, Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições), Jose Gonzales, Iron & Wine
Outubro: Clã, David Fonseca, Madonna, Robert Wyatt, Junior Boys, Teddy Thompson, Sex Pistols (caixa de singles), Bob Dylan (best of), Annie Lennox, Dave Gahan, Bruce Springsteen, Beirut, Cloud Room, Fiery Furnaces, Underworld, Roisin Murphy, Lilac Time, Efterklang, Underworld, Mick Jagger (best of), Felix da Housecat
Novembro: Duran Duran, Sigur Rós (CD + DVD), Sex Pistols (singles), Led Zeppelin (best of)
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