O texto que se segue foi publicado na revista de televisão do Diário de Notícias (10 de Agosto), com o título 'Que fazer com o cinema?' >>> Os responsáveis pelas programações televisivas resistem, quase sempre, a discutir as opções de fundo que determinam as respectivas ficções (que são, maioritariamente, telenovelas). Em todo o caso, a propósito da morte de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, assistimos a um insólito processo de negação, quando não de pura omissão.
Mesmo quando houve algumas peças executadas com um mínimo de rigor informativo (penso, por exemplo, na que era assinada por Rui Lagartinho, na RTP), as televisões optaram por enaltecer os dois cineastas como personagens mais ou menos distantes e bizarras, no limite condenando-os ao epíteto de “poetas”, pejorativo neste contexto. Foi também uma maneira implícita, potencialmente cínica, de os remeter para um mundo estranho e “artístico”, porventura suspeito face ao dia a dia televisivo que se imagina sempre mais directo, mais pragmático e (ilusão suprema!) mais realista.
De facto, as televisões demitiram-se de defender a sua própria especificidade. Porquê? Porque Bergman e Antonioni (depois de Rossellini e Godard) foram dos primeiros a dar mostras de uma relação inovadora, eminentemente criativa e serenamente descomplexada, com as televisões e, em particular, com os materiais videográficos. Bastará recordar, no começo dos anos 80, os casos óbvios de O Mistério de Oberwald, rodado em vídeo por Antonioni, muito antes de o vídeo ser uma “moda”, e Fanny e Alexandre [na foto], concebido por Bergman como um objecto simultaneamente cinematográfico e televisivo.
É certo que o quotidiano televisivo resiste a tudo o que traga alguma espessura histórica. Mas porque é que, nas televisões generalistas portuguesas, tais modelos de coexistência entre cinema e televisão não foram objecto de intensa celebração, precisamente a propósito da perda de dois génios do cinema europeu?
Será que essas mesmas televisões apenas acreditam na proliferação de registos narrativos parasitados pelas leis formais e morais das telenovelas? Da resposta a esta dúvida depende muito (quase tudo, em boa verdade) do destino prático e simbólico do chamado audiovisual português. Usar Bergman e Antonioni na lapela é pouco.
Mesmo quando houve algumas peças executadas com um mínimo de rigor informativo (penso, por exemplo, na que era assinada por Rui Lagartinho, na RTP), as televisões optaram por enaltecer os dois cineastas como personagens mais ou menos distantes e bizarras, no limite condenando-os ao epíteto de “poetas”, pejorativo neste contexto. Foi também uma maneira implícita, potencialmente cínica, de os remeter para um mundo estranho e “artístico”, porventura suspeito face ao dia a dia televisivo que se imagina sempre mais directo, mais pragmático e (ilusão suprema!) mais realista.
De facto, as televisões demitiram-se de defender a sua própria especificidade. Porquê? Porque Bergman e Antonioni (depois de Rossellini e Godard) foram dos primeiros a dar mostras de uma relação inovadora, eminentemente criativa e serenamente descomplexada, com as televisões e, em particular, com os materiais videográficos. Bastará recordar, no começo dos anos 80, os casos óbvios de O Mistério de Oberwald, rodado em vídeo por Antonioni, muito antes de o vídeo ser uma “moda”, e Fanny e Alexandre [na foto], concebido por Bergman como um objecto simultaneamente cinematográfico e televisivo.
É certo que o quotidiano televisivo resiste a tudo o que traga alguma espessura histórica. Mas porque é que, nas televisões generalistas portuguesas, tais modelos de coexistência entre cinema e televisão não foram objecto de intensa celebração, precisamente a propósito da perda de dois génios do cinema europeu?
Será que essas mesmas televisões apenas acreditam na proliferação de registos narrativos parasitados pelas leis formais e morais das telenovelas? Da resposta a esta dúvida depende muito (quase tudo, em boa verdade) do destino prático e simbólico do chamado audiovisual português. Usar Bergman e Antonioni na lapela é pouco.