Quando penso em Eduardo Prado Coelho, lembro-me sempre do período (1975-76) em que ele foi Director Geral da Acção Cultural, com gabinete no Palácio Foz, nos Restauradores. O meu amigo Camacho Costa (1946-2003) e eu visitávamo-lo com frequência, por vezes apenas pelo impulso de "vamos ver o Eduardo". E lembro-me, sobretudo, do impensável que era o modo como o podíamos visitar. Ou seja: entrávamos no palácio, saudávamos as secretárias, abríamos a porta do gabinete e... estávamos com o Eduardo. Sem protocolos, sem cartões, sem barreiras de segurança — era assim a gestão da área cultural. Dessa insensatez logística guardo o sabor de uma utopia política que, com maior ou menor inocência, todos partilhámos. Obviamente, não era possível continuar a viver assim. Em termos pessoais, nas décadas seguintes, foram mais os factos e os gestos que nos separaram do que as cumplicidades que nos aproximaram. Em todo o caso, poder visitar informalmente o director-geral da Acção Cultural foi um dos privilégios que, para mim, justificam que tenha havido 25 de Abril.
A esquiva
A linguagem do poder ou a linguagem terrorista (que entre nós é generosamente praticada por alguns grupos que julgam situar-se na extrema-esquerda, segundo uma topologia mais paranóica que política) são linguagens de repetição, em que predominam o estereótipo e a mais inquietante seriedade; essas linguagens afastam a fruição, recalcam o inconsciente, recusam a textualidade. O texto é sempre algo que procura esquivar-se à redes da economia de troca, afirmando-se pela sua inutilidade, pela sua significância irredutível a qualquer significado, pela sua perversão desviada de qualquer mística criadora — mesmo que o texto saiba que a sua inutilidade acaba sempre por ser recuperada.
Eduardo Prado Coelho
(do prefácio a "O Prazer do Texto", de Roland Barthes
Edições 70, 1974)