domingo, julho 15, 2007

O melhor dos dois mundos

A música de George Gershwin (1898-1937) representa uma das mais notórias primeiras provas da quebra de barreiras entre o “popular” e o “erudito”, tão cara que era ao público da Broadway quanto ao que aplaudia as suas obras para sala de concerto no Carnegie Hall. Filho de Nova Iorque, captou como poucos a intensidade da revolução que a cidade vivia num início de século que assistia a uma explosão de acontecimentos. As luzes da cidade, o seu perfil cosmopolita, o cruzamento de culturas de que era palco, moram nas obras que nos deixou. Filho de emigrantes chegados a Nova Iorque na década de 90 do século XIX, Gershwin descobriu o piano quando este chegou a casa, em 1910 e desde então passava mais horas ao teclado que na rua, com os amigos. A débil economia familiar forçou-o a deixas a escola aos 15 anos, encontrando emprego ao serviço de uma editora musical de Tin Pan Alley. O seu trabalho consistia em tocar e cantar os temas em partitura aos cantores e empresários da cidade. Foi numa dessas ocasiões que conheceu o jovem Fred Astaire, que vira a ser um dos seus grandes intérpretes. O conhecimento dos mecanismos em modas do mundo da música pop(ular) da época abriu as portas às canções que começou a escrever, com letras do irmão mais velho, Ira. Ao mesmo tempo, aulas privadas de piano permitiram-lhe desenvolver um mais profundo conhecimento das técnicas clássicas. Com o melhor dos dois mundos na mão, estreou-se publicando uma primeira canção em 1916, em 1922 apresentando um musical em um acto na Broadway. A cidade que aprendera a escutar e agora traduzia em música acolhia-o.
O disco agora editado reúne três peças compostas para as salas de concerto nas quais, todavia, o vigor e encanto da Broadway não está longe. O alinhamento abre com o Concerto para Piano em Fá, estreado no Carnegie Hall em 1925, claramente composto na sequência do clássico Rhapzody In Blue (estreado um ano antes), ambas as obras sob evidente tempero jazzístico. Apesar de merecedor na época de menos entusiasmo crítico que Rhapzody in Blue, o Concerto para Piano é mais um exemplo da incrível versatilidade cromática (e narrativa) da música de Gershwin, cruzando com mestria sinais de presença de charleston, atmosferas nocturnas para piano e, no último andamento, um verdadeiro festim rítmico. Consideravelmente diferente (porque denunciando temperos colhidos numas férias de repouso em Havana) é Cuban Overture, sob contaminação de um ritmo de rumba, estreada em 1932. Ao piano encontramos o norte-americano Jon Nakamatsu, naquela que é a sua oitava edição discográfica pela Harmonia Mundi. A acompanhá-lo, a Rochester Philarmonic Orchestra, dirigida por Jeff Tyzik.